Quando escolhi a cidade de Uberlândia, entre tantas, há 16 anos, deixei para trás um emprego, muitos amigos e parentes. Vim trazendo um sonho que não conseguiria realizar bem em Niterói, onde morava: divulgar Astronomia, ciência que me acompanha desde que me entendo por gente. Foram necessários muitos anos para que eu conseguisse montar a base do meu projeto, que ficou pronta em julho de 1996: o Observatório Astronômico de Uberlândia, que tem sido utilizado em pesquisas e no apoio à Educação.
Quando iniciei meu trabalho voluntário nas escolas, fazendo palestras para alunos e professores, logo percebi que aquilo que se ensinava tinha muito pouco a ver com a realidade dos fatos que a Natureza tão facilmente nos demonstra. Posso dizer, com a experiência dos últimos seis anos de convivência com a educação de crianças e jovens, que temos problemas gravíssimos, começando nos próprios livros.
Diante dessas distorções, incluí no meu projeto diversas formas de atendimento às dúvidas de alunos e professores, além das palestras e artigos no jornal em colaboração com o Projeto Correio Educação. Assim, com o apoio da Pró-Reitoria de Extensão, da UFU, onde trabalho atualmente, coloquei toda uma estrutura de comunicação à disposição de quem precisar de informações corretas e atualizadas sobre Astronomia, que é a ciência do próximo século e para a qual devemos preparar nossas crianças. Dispomos de telefone, fax, correio eletrônico, uma lista de discussão e uma home page na Internet. Temos atendido também a quem nos procura pessoalmente em busca de ajuda, tudo isso sem nenhum custo para o beneficiário.
O Observatório, que ainda é mais valorizado e compreendido fora de Uberlândia, tem sido utilizado para mostrar o que resta do nosso céu urbano para centenas de pessoas a cada ano. E não há quem não se impressione. Muitos já o visitaram, gratuitamente, apenas pelo prazer que sinto ao perceber o interesse que toda aquela beleza oculta do Universo desperta, principalmente nas crianças. E é para a possibilidade do fim de todo esse meu projeto de vida, tão importante para nossa cidade, que eu gostaria de chamar a atenção.
É bastante conhecida no Primeiro Mundo a interferência que a iluminação artificial urbana causa na visibilidade do céu noturno. Venho fazendo uma campanha para divulgar essa informação aqui em Uberlândia há muitos anos, que até vem tendo um bom andamento, mas com poucos resultados práticos. Em outras palavras, milhares de pessoas estão hoje conscientes desse problema, mas ele continua a agravar-se rapidamente porque as pessoas que poderiam evitá-lo ainda o ignoram ou não o compreendem bem. A Prefeitura de Uberlândia, responsável pelos projetos de iluminação pública, não tem sido sensível aos apelos que venho fazendo há tantos anos. Já enviei muito material técnico e diversas cartas, mas são poucas as respostas positivas.
Esta carta é a minha última esperança na busca por uma parceria com a Prefeitura. Senti-me na obrigação de enviá-la porque o Sr. poderia ainda não estar consciente dos problemas causados pela poluição luminosa. Era sobre isso que eu pretendia conversar, na época da campanha eleitoral, quando a professora Maria Eunice Gennari Silva tentou agendar a visita de seu grupo à minha residência e ao Observatório.
Pessoas com interesses particulares, que não têm nenhum compromisso com o futuro de Uberlândia, podem sempre dizer que estou errado e fazer parecer que a minha proposta é absurda. Já me acusaram de louco, de querer apagar a cidade ou de pretender vender luminárias. Entretanto, o que estou pedindo é algo muito razoável: que se evite a poluição do céu noturno, causada apenas pelo desperdício de luz. Ninguém é contra a iluminação da cidade. O erro está na utilização de luminárias dispersivas, de baixa qualidade funcional, principalmente daquelas que abrigam lâmpadas muito fortes, causando problemas que não se limitam à interferência com o céu.
Jogar luz para cima é desperdiçar dinheiro e energia elétrica, porque o chão fica na direção oposta. Qualquer criança pode entender isso. O problema ambiental, causado pela dispersão desnecessária de luz na atmosfera, já começa a ser resolvido em outros países. Posso provar o que estou dizendo. Em muitos lugares do mundo estão substituindo as luminárias poluentes que hoje instalamos aqui. Vergonha para nós. Se pretendemos ser modernos, por que copiamos os maus exemplos das outras cidades, ao invés de partir para a inovação, demonstrando competência e respeito ao meio ambiente? As soluções são simples e baratas. E, afinal de contas, quem pode lucrar com o desperdício?
O que estou solicitando não é para mim. É o futuro científico de Uberlândia que está em jogo. Cometer esse erro agora significará impossibilitar para sempre o desenvolvimento da Astronomia em nossa região. O que diremos a todas essas crianças curiosas, admiradoras das belezas naturais que lhes estão sendo tiradas? O que faremos com o meu e com os outros observatórios cujos projetos de construção já estão em andamento em nossa cidade? Devemos desistir? A troco de nada? Qual será a opinião pública local e do resto do País a respeito disso?
Na minha proposta para a iluminação eu tenho sempre sugerido que se tome o cuidado de instalar apenas luminárias corretas, não dispersivas, nas futuras expansões da rede elétrica, para evitar que o problema da poluição luminosa se agrave ainda mais. Acredito que isso pode ser feito e sei mesmo que há pessoas que pensam como eu dentro da Prefeitura. O que está faltando agora é apenas a coragem para ousar. Tenho material técnico suficiente a respeito dessas soluções que beneficiam a todos, não direcionadas a qualquer fabricante. Há alguns exemplos dessas boas luminárias em Uberlândia, até mesmo instaladas no Centro Administrativo.
Temos ainda muitas áreas escuras dentro do perímetro urbano. Por que não fazer uma experiência? Quantas praças ainda estão sem iluminação e que poderiam servir como laboratório para essa nova proposta? Bastaria fazer uma concorrência pública, para escolha das luminárias, vinculada àquela exigência de qualidade. Em todos os casos de substituição das antigas luminárias ou instalação inicial das modernas, ocorridos no exterior, ninguém percebeu diferença alguma. A razão disso está em que as boas luminárias evitam apenas o desperdício de luz, sem afetar o feixe principal, que é útil. Basta ver a praça mais nova à frente do Colégio Objetivo, no Centro. Um bom exemplo.
Sr. Virgílio, vamos construir uma cidade verdadeiramente moderna para todos nós. De nada adiantará termos um crescimento de algumas das diversas facetas que a compõem, se outras, igualmente importantes, forem reduzidas a zero. A cidade que não tiver esse cuidado estará correndo o risco de cometer erros graves e de difícil reparação. Vamos preservar nossos patrimônios naturais e abrir grandes possibilidades para o futuro. A comunidade astronômica brasileira, que tem conhecimento do trabalho que venho realizando aqui pela preservação da beleza do céu noturno, está atenta aos seus resultados porque toda ela tem o mesmo problema. Em breve estaremos unidos em uma campanha nacional. Sejamos modelo para o País.
Agradeço pela atenção e reitero o convite para uma visita ao Observatório quando assim o desejar.
Atenciosamente,