O Procedimento Administrativo nº 015/97


MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS


3ª Vara Cível da Comarca de Uberlândia
Procedimento Administrativo nº 015/97
Natureza: Poluição Luminosa


Cuidam os autos de procedimento administrativo proposto por ROBERTO FERREIRA SILVESTRE sobre a poluição luminosa na cidade de Uberlândia.

Em carta enviada ao Ministério Público, datada de 2 de março de 1997 (folhas 02/34), o Requerente denuncia o problema da poluição luminosa que atinge não só nossa cidade, mas todo o mundo e que se deve à emissão indiscriminada de luz em todas as direções. Segundo ele, esse lançamento de luz para cima, sobre os olhos das pessoas e para lugares distantes de onde se pretende iluminar desperdiça energia elétrica, causa problemas de saúde nas pessoas e torna invisíveis os objetos celestes, que são o material de estudo de astrônomos.

O Requerente afirma também tentar, há alguns anos, conscientizar as autoridades locais para os danos causados pela poluição luminosa, a fim de que se consiga incluir na legislação ambiental do município uma regulamentação sobre a iluminação, pelo menos das vias públicas.

Ao final, cita como bons exemplos de iluminação em nossa cidade a avenida Antônio Thomaz Ferreira de Rezende e a praça em frente ao Colégio Objetivo.

Com a carta, foram juntados vários artigos coletados da Internet sobre o assunto, entre eles um correio eletrônico enviado pelo Requerente à revista Ciência Hoje e outro ao jornal Folha de São Paulo. Em um desses artigos, escrito por Orlando Rodrigues Ferreira, diretor geral do Observatório do Capricórnio em Campinas, há uma enumeração dos benefícios da substituição de lâmpadas e luminárias por outras, ecologicamente adequadas:


"Em conformidade com algumas estimativas, algo em torno de 50% até 60% da energia elétrica gerada é desperdiçada para o céu em forma de energia luminosa. Portanto, com o redimensionamento de luminárias e lâmpadas, será possível aos cofres públicos uma economia imediata deste percentual em termos financeiros, além de consideráveis benefícios ambientais, os quais cito alguns: Não se necessitará construir novas e dispendiosas hidrelétricas, pois as atuais existentes passarão a ter seu potencial de produção utilizado sem perdas; não será mais necessário o alagamento de grandes áreas para represamentos de águas; não será mais necessário efetuar as caríssimas desapropriações de terras, com isso impedindo o processo de migração populacional e permitindo com que comunidades venham a desenvolver mais adequadamente; matas serão preservadas e suas significantes reservas de flora e fauna; as noites serão mais límpidas, possibilitando, destarte, uma maior dedicação às pesquisas astronômicas etc. Sem contar os benefícios sociais à questão, tais como geração de empregos pelo estabelecimento de novas indústrias, a estabilidade econômica e social dos municípios, avanço da consciência ética e social das populações envolvidas e muito mais." (Autos, folhas 33)


Às folhas 35, foi notificado o Município de Uberlândia para manifestar-se sobre o teor do referido procedimento administrativo, entretanto, o mesmo permaneceu inerte, conforme certidão de folhas 36 dos autos.

Assim, o Requerente também foi notificado e apresentou resposta às folhas 39/42, onde lamenta a indiferença das autoridades ao problema e o agravamento constante da poluição luminosa em Uberlândia. Indica também sua proposta concreta à redução dos danos que ocorre, "porque ainda não temos uma legislação ambiental abrangente." Cita, como exemplo, os Estados Unidos em que algumas cidades adotaram leis modernas para a preservação ambiental.

Em seguida, o Requerente juntou alguns comentários sobre a reportagem apresentada no programa "Correio na TV" no dia 4 de julho de 1997 (folhas 43/46), quando também ressalta em vários trechos a falta de leis específicas sobre o tema, os quais transcrevo alguns:


"Isto ocorre porque não há uma regulamentação municipal para a iluminação externa."

"(...)onde há uma lei regulamentando a iluminação para preservar a operacionalidade de seu observatório astronômico, o brilho artificial do céu noturno é muito reduzido."

"A poluição luminosa é, portanto, um problema cuja solução passa pela educação para o respeito ao meio ambiente, mas que também exige leis, porque nem todos são competentes por prazer."


Seguem ainda, em anexo: um artigo do jornal Correio, com data de 07/05/1997, folhas 47/48; algumas fotos sobre exemplos de boa iluminação, folhas 49/53; Petição pelos direitos das futuras gerações, elaborada pela Equipe Cousteau e pelo Banespa, folhas 54; uma lista de bibliografia sobre poluição luminosa, folhas 55/61; uma lei ambiental aprovada em Tucson, EUA, folhas 62/68; uma foto de satélite do Brasil, mostrando a luz lançada diretamente para cima a partir de suas cidades, folhas 69; e um trabalho elaborado por Oficina Tecnica para la Protección de la Calidad del Cielo sobre a poluição luminosa, folhas 70/103.

Às folhas 104, o Sr. Cláudio Guedes, Secretário Interino do Meio Ambiente, foi notificado para tomar conhecimento deste procedimento, sendo que o mesmo se manifestou às folhas 103/106 dizendo que não há "legislação específica que discipline ou normatize as fontes de emissão e seus efeitos sobre o ser humano" e que enviará ofício ao Legislativo Municipal, na pessoa de seu presidente, "para avaliação e questionamento de viabilidade de um projeto de lei específico, visando a regulamentação da matéria." Disse também que seriam enviados ofícios à CEMIG e à Secretaria Municipal de Serviços Urbanos solicitando, respectivamente, informações de estudos sobre o tema e o possível enquadramento do assunto ao Código de Postura do Município.

Em nova carta ao Ministério Público de 3 de agosto de 1998 (folhas 108/171), o Requerente justificou seu empenho em minimizar o problema da poluição luminosa, por ser proprietário de um Observatório localizado no bairro Cidade Jardim, que apesar de ser um bem particular, é visitado, regularmente, por grupos da comunidade e é, também, usado para a realização de várias pesquisas.

Para comprovar o alegado, o Requerente juntou uma lista de visitas e palestras ao Observatório agendadas nos anos de 89 a 98, que consta, inclusive, com inúmeras Escolas Municipais e Estaduais, folhas 110/115; uma cópia dos textos que compõem sua página pessoal na Internet, folhas 116/125; uma carta enviada ao Prefeito Municipal de Uberlândia, o Sr. Virgílio Galassi, com data de 11 de julho de 1998, folhas 126/128; e vários correios eletrônicos enviados ao Requerente em apoio ao seu trabalho, folhas 129/171.

Foram enviadas várias requisições ao Curso de Medicina, ao Departamento de Psicologia Clínica e ao Departamento de Psicologia Social e Educacional, todas da Universidade Federal de Uberlândia, pedindo informações específicas sobre o tema (folhas 172/174). Todavia, o prazo se exauriu sem que houvesse resposta, conforme certidão de folhas 177, e as requisições foram reiteradas (folhas 178/180). Em resposta de folhas 182/194, todos alegaram falta de capacidade técnica para atender as solicitações do Ministério Público.

A pedido do Requerente (folhas 175/176), foi também requisitado laudo técnico do Departamento de Engenharia Elétrica (folhas 181), que apresentou resposta às folhas 197/199. Tal parecer técnico não foi conclusivo, alegando que a iluminação é uma das mais complexas de ser projetada e que o problema da poluição luminosa não seria resolvido, apenas, com a troca de luminárias e lâmpadas na cidade, já que a mesma é causada também por outros inúmeros fatores.

A CEMIG e o Município de Uberlândia foram, mais uma vez, notificados às folhas 201 e 205, respectivamente, sendo que a Superintendência Jurídica da referida companhia apresentou resposta às folhas 203 dizendo que todas as luminárias utilizadas na iluminação pública são aprovadas pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) e que este desconforto visual é mais causado pelos sinais luminosos comerciais e iluminação residencial. Citou, ao final que "o Município de Caeté/MG, através de legislação específica, regulamentou critérios de iluminação em áreas próximas ao Observatório da Serra da Piedade."

A Procuradoria Geral do Município respondeu às folhas 206, confirmou as ponderações da CEMIG e acrescentou que o material utilizado na iluminação de Uberlândia é a de melhor qualidade encontrada no mercado e única disponível no Brasil. Disse, ainda, que caberia à Universidade desenvolver novas soluções técnicas ao problema e que, apesar disso, é solidário à preocupação do Requerente, "um espírito humanitário e capaz de desejar um mundo menos agressivo para todos nós".

Por fim, o Requerente manifestou-se às folhas 207/216, contestando o parecer técnico do Departamento de Engenharia Elétrica com os argumentos já expostos e concluiu dizendo que procura, com esta denúncia feita à Curadoria do Meio Ambiente, obter o reconhecimento de todos, autoridades e população, do problema da poluição luminosa e encontrar uma solução eficiente para ele.


É o relatório. Passamos a opinar.


A proteção ambiental é um direito fundamental do cidadão, garantido pela Constituição Federal de 1988, como consta o artigo 225: "Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações."

Desta forma, o Requerente está exercendo os seus plenos direitos de cidadão, quando busca a solução da poluição luminosa que afeta não só a nossa cidade, como também todo o mundo e poderá trazer inúmeros prejuízos às gerações futuras, como afirmou Vladimir Passos de Freitas, Juiz do Tribunal Regional Federal da 4a Região (in Direito Administrativo e Meio Ambiente, Curitiba, Editora Juruá, 1993, página 7):


"O meio ambiente é, atualmente, um dos poucos assuntos que despertam o interesse de todas as nações, independentemente do regime político ou sistema econômico. É que as conseqüências dos danos ambientais não se confinam mais nos limites de determinados países ou regiões. Ultrapassam as fronteiras e, costumeiramente, vêm a atingir regiões distantes. Daí a preocupação geral no trato da matéria que, em última análise, significa zelar pela própria sobrevivência do homem."


Não restam dúvidas tratar-se de um problema complexo, que vai além do simples direito de ver estrelas. Por outro lado, sabe-se que soluções simplistas não resolvem graves problemas, e estes exigem sérios remédios que atinjam tanto suas conseqüências, quanto suas causas, E, antes de tudo, estas soluções devem ser lógicas e possíveis de serem colocadas em prática. Lembremos do que disse Erich Danz (A Interpretação Lógica dos Negócios Jurídicos, página 127, apud Luiz Renato Topan):


"A vida não está ao serviço dos conceitos, mas sim estes a serviço da vida. É preciso atender não ao que ordena a lógica, mas sim ao que exige a vida, a sociedade, o sentimento jurídico, tanto quanto seja necessário, segundo a lógica, como e quando seja logicamente possível."


Assim, fica claro que a substituição, de uma só vez, de todas as luminárias e lâmpadas das vias públicas da cidade é impossível e não seria o melhor caminho para a resolução da poluição luminosa na cidade. Está provado também, que a iluminação pública não é a única causa.

O Requerente, em vários trechos de suas cartas, indica a lei como um meio eficaz para tentar conter os danos provenientes da poluição luminosa (como foi transcrito no relatório supra), assim, como as diversas autoridades que se manifestaram nos autos.

Deste modo, a Ação Civil Pública e a Ação Popular não são os instrumentos corretos para se conseguir a feitura de uma lei específica. Conforme preceitua Hely Lopes Meirelles (in Mandado de Segurança, São Paulo, Malheiros Editores, 1995, página 171):


"Mandado de injunção é o meio constitucional posto à disposição de quem se considerar prejudicado pela falta de norma regulamentadora, que torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania (CF, art. 5º, LXXI)."


Outra alternativa para o Requerente seria a apresentação, por iniciativa popular, na Câmara Municipal, de projeto de lei, subscrito por, no mínimo, cinco por cento do eleitorado do Município (artigo 24 da Lei Orgânica do Município de Uberlândia/MG); ou ainda, na Câmara dos Deputados, neste caso, subscrito por, no mínimo, um por cento do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco Estados, com não menos de três décimos por cento dos eleitores de cada um deles (artigo 61, §2º da Constituição Federal de 1988).

É importante ressaltar que o Ministério Público compartilha, plenamente, das preocupações do Requerente e, mais do que isso, orgulha-se de ver alguém tão empenhado em proteger o patrimônio público essencial a todos os seus semelhantes. Como proclamado por Fernando Pessoa (apud Vladimir Passos de Freitas, ob.cit., página 14):


"Ser ecologista não é apenas ser contra aquilo a que se chama de Progresso, não é apenas ser anti-qualquer coisa ou anti-tudo ou porque está na moda, não é apenas ser por certas manifestações com o seu quê de folclore (que também é, aliás, importante); ser ecologista é sobretudo acreditar que a vida pode ser melhor se as mentalidades mudarem e tiverem em consideração os ensinamentos que a velha Terra e o ainda velho Universo não cessam de nos transmitir."


Diante do exposto, promovo o arquivamento do feito, com a respectiva baixa em livro próprio. Em conseqüência, nos termos do artigo 9º da Lei nº 7.347/85, determino a remessa dos autos no prazo de três dias ao Egrégio Conselho Superior do Ministério Público para o que for de direito, após ciência do Reclamante, na pessoa de seu representante legal.


É o parecer.
Uberlândia, 11 de novembro de 1999.


Dr. Áureo Barbosa Filho
9º Promotor


Fernanda Carolina Portella Silveira
Estagiária



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