A poluição luminosa e os observatórios astronômicos


           A escuridão do céu noturno e a beleza das estrelas estão ameaçadas de extinção. A principal causa disto é a poluição luminosa, que cresce rapidamente nas áreas urbanas e começa a avançar sutilmente para o campo, em conseqüência da eletrificação rural. É o brilho que ofusca nossa visão. É a luz intrusa que invade nossas casas ou que cega os motoristas. É a imensa bolha de luz que cobre nossas cidades e que pode ser vista desde grandes distâncias. É o fulgor global do céu que faz com que não haja praticamente nenhum lugar na Terra onde a noite seja completa.
           A principal fonte de poluição luminosa são as luminárias das ruas e praças públicas, que desperdiçam enorme quantidade de luz, lançando-a na direção errada. Elas são, em quase sua totalidade, completamente mal escudadas, permitindo que parte da luz gerada seja dirigida para cima e para muito além da área que se pretende iluminar. Outras fontes de luz inútil podem ser encontradas nas fábricas, clubes, shoppings, aeroportos, estacionamentos, canteiros de obras, escolas, condomínios, estádios de futebol, ou mesmo nas residências, que atualmente já têm instaladas lâmpadas de grande potência, cuja luz mal dirigida produz enorme ofuscamento em toda a vizinhança.
           Embora à primeira vista pareça o contrário, esta forma de poluição é um mal completamente desnecessário, e não uma conseqüência inevitável do progresso, pois é muito fácil cortar aquele excesso de luz que nada ilumina, fazendo-se pequena alteração na proteção metálica que abriga a lâmpada. O problema parece ser que, como as atuais luminárias cumprem razoavelmente bem sua função de iluminar o chão, ninguém pensa em alterá-las e nem sequer suspeita que sejam malfeitas ou que estejam causando alguma interferência no meio ambiente. Na verdade elas condenam a nossa geração, e as que virão, a uma cegueira progressiva que nos impede de reconhecer o nosso lugar no Universo, como já acontece em muitas das grandes cidades do mundo, onde a visão do céu fica limitada apenas ao Sol, à Lua, uns poucos planetas e estrelas mais brilhantes.
           Em geral, quando os astrônomos tentam chamar a atenção das autoridades municipais para o absurdo da poluição luminosa, exigindo cuidados nos projetos de luminárias, eles não são bem compreendidos nem levados a sério, pois a falta de conhecimento do problema gera a suposição errada de que aqueles profissionais são contra a iluminação das cidades, e que desejam ruas escuras. Contrariamente a esta idéia, o que eles estão propondo é que se dirija toda a luz, criada nas luminárias, para baixo da horizontal, caracterizando um cone de iluminação nitidamente descendente, o que faz aumentar a visibilidade do chão e reduzir a zero aquela fração de luz que hoje se perde, estimada em cerca de 30%. É uma simples questão de bom senso, economia e respeito ao meio ambiente.
           Como a luz perdida é cara, inútil e prejudicial, não há razão para que não seja completamente eliminada, como já está sendo feito em algumas cidades. Tucson, nos Estados Unidos, passou a economizar US$ 3 milhões por ano, depois que adotou uma política de iluminação planejada e aprovou leis que regulamentam o uso de qualquer luminária externa, inclusive as instaladas em propriedades privadas. É uma grande demonstração de maturidade e de consciência ecológica, que deveria ser imitada em todas as cidades do mundo. Por outro lado, no Brasil, nosso maior observatório, o Laboratório Nacional de Astrofísica, tem seu trabalho grandemente afetado pelas luzes das cidades próximas, como Campos do Jordão, Itajubá e Brasópolis, entre outras, que, embora tenham tomado conhecimento das campanhas para despoluir o céu, pouco ou nada fizeram para resolver o problema.
           É preciso que cada um de nós faça a sua parte, buscando melhores condições de vida para todos. A instalação de observatórios astronômicos em vários municípios de São Paulo é um grande esforço neste sentido. Cidades como Campinas, Americana, São Carlos e Piracicaba, por exemplo, já contam com esse fantástico recurso, que está entre as melhores maneiras de se apresentar a Ciência para os jovens, que têm uma curiosidade inata sobre os segredos do Universo. E é principalmente por esse caminho, oferecendo a eles uma educação de qualidade, que poderemos alterar a situação desesperadora de atraso em que o País vive hoje.
           Alguns projetos de observatórios também estão em andamento em Uberlândia, mas a sua realização depende necessariamente da eliminação das fontes de poluição luminosa. Portanto, precisamos trabalhar juntos, técnicos da Prefeitura, da UFU e da CEMIG, procurando soluções para o problema e definindo normas para evitar que novas áreas venham a ser iluminadas com os mesmos tipos de luminárias deficientes que hoje desperdiçam luz. Temos certeza que não faltarão pessoas interessadas em ajudar a preservar a beleza do nosso céu para as futuras gerações, pois ele é uma riqueza natural de enorme importância para o desenvolvimento da Ciência e para a promoção de uma boa educação. E só há uma saída: qualidade total para a iluminação pública!


Roberto F. Silvestre
ASTRÔNOMO AMADOR



VOLTAR