Orlando Rodrigues Ferreira 1º de junho de 2010 |
Com o Plano Diretor de Iluminação Pública de Campinas (PDIPC) também deve surgir ao debate o tema do desperdício de energia proporcionado pela poluição luminosa, o brilho global do céu causado pela enorme quantidade de fontes de luz mal projetadas. O PDIPC estima uma economia de energia de 25% – logo, igualmente ao erário municipal –, porém, esse percentual poderá ser consideravelmente maior se atacada a poluição luminosa.
Em média, 40% (picos de até 100%) da energia elétrica utilizada à iluminação externa, principalmente a pública, se desperdiça em virtude das lâmpadas, luminárias e instalações não serem adequadamente dimensionadas ou projetadas. As luzes, em vez de se dirigirem totalmente ao chão, emitem para o alto, dispersam na atmosfera, retiram a transparência do céu noturno e poluem o firmamento criando a denominada "noite branca".
Entendemos que o país precisa dominar todas as matrizes energéticas como política de estratégia, segurança nacional e soberania. Estatisticamente, 78% da geração de energia provém dos recursos hidrelétricos, a fonte mais barata, ou 85%, se considerada a importação dos países vizinhos. Pelos próximos dez anos, o Brasil necessita acrescer 5 gigawatts/ano ao sistema elétrico para sustentar o crescimento econômico e, portanto, deve-se ponderar como conciliar esse crescimento com a produção de energia, sustentação ambiental e desenvolvimento social. Por pressuposto, o uso adequado das fontes de energia proporciona economia e benesses à sociedade. No entanto, reiteramos, o que mais colabora para o desperdício é a poluição luminosa, principalmente em grandes centros urbanos como a Região Metropolitana de Campinas (RMC) e, caso o PDIPC não atentar para esse importante fato, o problema será significativamente agravado com os prejuízos se sobrepondo aos benefícios.
Organizações internacionais atuam nas temáticas da poluição lumínica, conservação e desperdício de energia, como a International Dark-Sky Association (IDA), propugnando pela preservação da escuridão do céu e a iluminação noturna eficiente e de qualidade, e a New England Light Polluition Advisory Group (Nelpag), com proposições relacionadas às iluminações públicas, particulares e propagandas luminosas. No Brasil, infelizmente, ainda não existem instituições similares, somente trabalhos realizados isoladamente por alguns poucos astrônomos e Observatórios. Dentre estes, externamos reconhecimentos aos astrônomos Roberto Ferreira Silvestre, em Uberlândia/MG, e José Carlos Diniz, em Nova Friburgo/RJ, ambos desenvolvendo árduos trabalhos de conscientização da população, obtendo alguns bons resultados com seus projetos e chamando a atenção das autoridades.
Como problema de saúde pública, pesquisas confirmam alterações comportamentais dos animais noturnos motivadas pela excessiva iluminação, seus hábitos alimentares são alterados ou rompidos, com isso permitindo a proliferação de insetos nas áreas urbanas, entre estes, o Aedes aegypti, mosquito transmissor da dengue. Estudos consideram haver correlação entre a incidência de câncer de mama e a descontrolada luminosidade noturna; o relógio biológico perde o seu ciclo provocando alterações do sono, vigília e demais distúrbios do ritmo circadiano, ocasionando estresse, depressões e outras disfunções físicas e psicológicas.
Analisando alguns aspectos sociais, o atendimento à demanda de energia influencia diversamente, posto que construções de hidrelétricas determinam desapropriações de áreas ambientais, produtivas e de ocupação populacional para o estabelecimento dos reservatórios, fatalmente ocasionando o êxodo rural, inchaço das cidades, favelização e toda uma série de problemas de infraestrutura. Por conseguinte, isso requer maiores investimentos em setores como saúde, segurança, transporte, educação, moradia, serviços sociais, etc. Para simples comparação, o polêmico projeto da usina de Belo Monte, no trecho paraense do Rio Xingu, em que se considerem as vantagens, implicará no alagamento da área de 516 km2 para o reservatório, na remoção de 210 milhões de m3 de terra e rochas e no reassentamento de, pelo menos, 20.000 pessoas; na China, no rio Yang Tse, a usina das Três Gargantas, que inundou regiões até 600 km de distância, obrigou a realocação de 1.130.000 pessoas, algo equivalente à população de Campinas, além da perda definitiva de sítios arqueológicos e demais impactos que influenciarão em níveis globais.
A República Tcheca, Ilhas Canárias, Tucson-Az/EUA e outras cidades pelo mundo aplicaram projetos de controle da poluição luminosa, gerando a economia de milhões de dólares. Flagstaff- Az/EUA adotou normas rígidas e, em 2001, foi declarada como a primeira Cidade Internacional Sob o Céu Escuro, assim salvaguardando o Observatório de Flagstaff. No Brasil, nenhum município ainda praticou iniciativas semelhantes ou uma política séria e eficiente de iluminação pública, talvez pelo fato de que seja necessária maior vontade política, empenho e firmeza para se romper com os arraigados vícios do esbanjamento. O céu é um patrimônio da Humanidade desde as suas origens, a sua contemplação conscientiza o Ser Humano quanto à percepção filosófica da sua própria existência, mensurando-o, posicionando-o e determinando-o no Universo.
Campinas, quais os demais municípios brasileiros, igualmente está desperdiçando e poluindo, considerando que as luzes inadequadas dos centros de compras, super e hipermercados, praças, nova Rodoviária, propagandas, rodovias e demais logradouros iluminam mais o céu que o solo. Conseqüentemente, somos forçados a viver a noite sob um fulgor celeste.
Fulgor celeste de Campinas/SP: Panorâmica a partir do Observatório Municipal de Campinas "Jean Nicolini" (OMCJN), comprovando a poluição luminosa e o desperdício de energia na RMC. Luzes de Itatiba, Jundiaí e São Paulo (à esquerda); Vinhedo, Valinhos e Campinas (ao centro); Cosmópolis e Paulínia (à direita); mais a colaboração da iluminação incidental de outras cidades próximas. Fotos e composição: Orlando Rodrigues Ferreira, 11/05/2007, às 19h48, câmera digital Benq DC-C740, abertura F=2.8, ISO 50 e com exposições de 8 segundos. |
Os astrônomos do Observatório Municipal de Campinas "Jean Nicolini" (OMCJN) subjetivamente estimam que, desde 1977, aproximadamente 55% da visibilidade do céu noturno da RMC se perdeu devido à luz parasita, simplesmente atestando o decréscimo do brilho aparente (magnitude visual) das estrelas passíveis de serem observadas à vista desarmada. De cinco a dez anos não será possível se vislumbrar sequer a Via Láctea, mesmo nas áreas rurais mais distantes, comprometendo totalmente o sítio astronômico do Monte Urânia, na Área de Preservação Ambiental (APA) dos Distritos de Sousas e Joaquim Egídio. Entretanto, acreditando e confiando na sensibilidade e empenho das autoridades, essa situação poderá ser minimizada ou totalmente revertida com a simples readequação das luminárias, lâmpadas e instalações, além da criação de uma legislação específica e, para tanto, sugerimos o desenvolvimento de um projeto piloto nos citados Distritos. Como podemos observar, em que se considere ser o tipo mais evidente de poluição, a luminosa é também a mais fácil de ser solucionada, requerendo-se somente a aplicação mínima de investimentos para se alcançar o máximo de resultados.
Se consideradas estas poucas e incipientes reflexões, o PDIPC certamente se tornará mais abrangente e eficiente. Campinas poderá fazer história como o primeiro município do país – e um dos poucos do mundo – com uma política austera de regulação da poluição luminosa e otimização da energia, demonstrando na prática que a utilização racional da iluminação pública proporciona um melhor aproveitamento das geradoras existentes e evita, ou pelo menos adia, a construção de colossais usinas hidrelétricas e das famigeradas nucleares e termoelétricas, permitindo auferir tempo de pesquisa e geração de recursos para o desenvolvimento e aprimoramento de matrizes alternativas que sejam ambientalmente menos impactantes.
Ponto a favor da administração de Campinas, que deu um primeiro e importante passo com o Plano Diretor de Iluminação Pública. Somente alguns poucos ajustes serão necessários e, se quiser contar com o apoio, dedicação e trabalho dos astrônomos, engenheiros, ambientalistas e demais pessoas no Brasil e no mundo que se opõem à poluição luminosa, certamente irá angariar inúmeros e competentes aliados. Nesse caso especificamente, não haverá desperdício de energia, porque estará se gerando a força necessária para uma sociedade mais consciente, um ambiente mais saudável, um céu devidamente obscurecido e uma cidade adequadamente iluminada.
O AUTOR: Licenciado em Filosofia (PUC-Campinas), astrônomo e supervisor do OMCJN, pós-graduando do Núcleo de Astrofísica Teórica (NAT) da Universidade Cruzeiro do Sul (UniCSul), conselheiro do Conselho de Defesa do Patrimônio Cultural de Campinas (Condepacc), membro da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (Adesg) e do Instituto Histórico, Geográfico e Genealógico de Campinas (IHGGC). |
FERREIRA, Orlando Rodrigues. "Nosso céu (não) tem mais estrelas" (?) – O horário de verão, a poluição luminosa e o desperdício de energia. 1ª ed., 1997; 2ª ed. rev. ampl., 1999. Ouro Fino: Observatório das Alterosas, 1999.
KLINKENBORG, Verlyn. A noite esvaie-se – Como a poluição luminosa nos afasta da escuridão / O fim da
noite: Porque precisamos da escuridão. Fotos de Jim Richardson. In: National Geographic, ano 9, nº 104. São
Paulo: Abril, novembro, 2008.
STEFANO, Fabiane. Precisamos de Belo Monte. Mas não assim. In: Exame, ed. 967, nº 8, pp. 42-45. São Paulo: Abril, 05 de maio de 2010.