Calculando a Terra oca - II


Será que a Terra se comportaria de um modo diferente se ela fosse oca? Será que é possível encontrar uma solução matemática para a Terra oca, dando uma esperança àqueles que acreditam nela? Vamos mostrar que a resposta é afirmativa para as duas perguntas.

Os dados que obtivemos para a Terra são os seguintes:

Raio:            R = 6371004 m
Massa:         M = 5,9742 . 1024 kg
Volume:       V = 1,083209 . 1021 m3
Densidade:   D = 5515,279 kg/m3


A) Em primeiro lugar, vamos avaliar qual seria a aceleração da gravidade na superfície de um planeta igual à Terra em tamanho, mas que tivesse um núcleo de ar e um manto de rocha. Precisamos encontrar a densidade do planeta para comparar com a da Terra, porque a densidade está diretamente ligada à gravidade. Vamos utilizar o mesmo raciocínio anterior, iniciando com o planeta cheio de rocha, para depois retirar um núcleo de rocha e colocar um núcleo de ar em seu lugar.

A equação é praticamente a mesma obtida anteriormente durante o desenvolvimento do cálculo do raio do núcleo, mas agora estamos interessados na densidade d obtida para o planeta formado. Se o manto tem densidade d2 e o volume do planeta é V, a massa do planeta totalmente cheio de manto é d2 vezes V. Se o núcleo tem volume v1, a massa da parte retirada do manto é d2 vezes v1. Se o novo núcleo tem densidade d1 e volume v1, sua massa é d1 vezes v1. Então a massa m do planeta gerado é:

m = d2 . V - d2 . v1 + d1 . v1
m = d2 . V - ( d2 - d1 ) . v1

Dividindo tudo por V e substituindo a relação dos volumes pela relação dos raios, temos a densidade procurada:

m / V = d2 - ( d2 - d1 ) . v1 / V
d = d2 - ( d2 - d1 ) . ( r1 / R )3

O diagrama encontrado na página 81 do meu exemplar do livro "A Terra Oca" mostra que a parte vazia do interior da Terra fica logo abaixo das 800 milhas de profundidade, que correspondem a 1287,475 km. Vamos usar esse valor como sendo a espessura h do manto, que tem a densidade da rocha.

Cálculo do raio do núcleo em metros:

r1 = R - h
r1 = 6371004 - 1287475
r1 = 5083529

A densidade da rocha é 2660 kg/m3. A do ar é 1,2 kg/m3. Substituindo na equação da densidade, temos:

d = d2 - ( d2 - d1 ) . ( r1 / R )3
d = 2660 - ( 2660 - 1,2 ) . ( 5083529 / 6371004 )3
d = 2660 - 2658,8 . 0,79791653
d = 2660 - 2658,8 . 0,5080100
d = 2660 - 1350,697
d = 1309,303

Agora devemos comparar a densidade do planeta formado com a densidade da Terra:

q = d / D
q = 1309,303 / 5515,279
q = 0,2373956

q' = 1 / q
q' = 1 / 0,2373956
q' = 4,212378

O valor q da relação entre as densidades indica que a gravidade do planeta formado tem cerca de 23,7% da gravidade da Terra. O valor de q' nos diz que sua gravidade é 4,2 vezes menor que a da Terra. Portanto, se a Terra tivesse um núcleo de ar com 5083,5 km de raio, coberto com uma camada de rocha com 1287,5 km de espessura, sua gravidade superficial teria um valor muito abaixo do que ela realmente tem. Mais uma vez fica claro que a Terra não pode ser como está desenhada naquele livro.


B) Agora vamos ver como dar uma esperança matemática aos partidários da hipótese da Terra oca. Quando tentamos construir um planeta com núcleo de ar e manto de rocha esbarramos em um número negativo para seu raio. Analisando o desenvolvimento dos cálculos daquele caso 3, percebemos que a fonte do problema surgiu no denominador da divisão, que deu um número negativo. Como consequência, os resultados da divisão e da raiz cúbica também se tornaram negativos. Observando a equação, notamos que a divisão pode dar um número positivo se ambos, numerador e denominador, forem negativos. Para que isso ocorra, precisamos encontrar valores de densidade que satisfaçam as seguintes condições:

D < d2       e       d1 < d2

A primeira desigualdade nos informa que a densidade da Terra deve ser menor que a densidade do manto. Isto significa que o material do manto deve ter uma densidade acima de 5515,279 kg/m3, o que não é difícil. A segunda desigualdade nos informa que a densidade do núcleo deve ser menor que a densidade do manto. Como desejamos ter um núcleo de ar, cuja densidade é muito baixa, também não temos um problema aqui. Então, podemos encontrar uma solução para a Terra oca simplesmente se o manto tiver uma densidade maior que a densidade média da Terra.

A conclusão a que chegamos já era anteriormente evidente, porque o raio negativo ocorreu quando tentamos partir de uma esfera de rocha, que tinha uma densidade menor que a da Terra. Naquele caso, quanto maior era o raio do núcleo, menor ficava a densidade do planeta. Mas agora temos uma situação favorável, porque vamos partir de uma esfera com densidade maior que a da Terra e fazer essa densidade diminuir quando o núcleo de ar for crescendo e tomando seu espaço central sem afetar o volume global. Neste caso, é claro que haverá um tamanho definido para o raio do núcleo de ar que dará ao planeta a mesma densidade e, consequentemente, a mesma gravidade que a Terra tem.

Supondo as mesmas dimensões dadas para a Terra oca no livro, vamos calcular qual deve ser a densidade do manto do planeta para que sua gravidade fique igual à da Terra. Neste caso, conhecemos a densidade final, que é a densidade média terrestre, D. O que estamos buscando agora é a densidade do manto. Este também é um caso simples de substituição de valores na equação da densidade:

d = d2 - ( d2 - d1 ) . ( r1 / R )3
5515,279 = d2 - ( d2 - 1,2 ) . ( 5083529 / 6371004 )3
5515,279 = d2 - ( d2 - 1,2 ) . 0,5080100
5515,279 = d2 - 0,5080100 . d2 + 1,2 . 0,5080100
5515,279 = d2 - 0,5080100 . d2 + 0,6096120
5515,279 - 0,6096120 = ( 1 - 0,5080100 ) . d2
5514,669 = 0,4919900 . d2
d2 = 5514,669 / 0,4919900
d2 = 11208,91

Essa densidade seria ainda maior se as aberturas polares fossem consideradas, mas agora, sim, temos uma densidade de manto adequada para criar um planeta oco com a mesma gravidade da Terra. Então, quem acredita na Terra oca deve partir dessa densidade calculada, explicar por que nosso planeta não é implodido pela gravidade, por que os seres interiores não caem no sol central e por que a densidade da crosta fica perto dos 2660 e não dos 11209 kg/m3. Para esta última discordância, se disserem que a densidade do material é muito maior logo abaixo da superfície, vou ser forçado a pedir que comecem a cavar.

Este é o problema com a Terra oca: não termos razão alguma para supor que ela seja oca. A hipótese tem as características de ter sido criada somente pelo desejo ardente de pessoas imaginativas. Não parece haver um motivo para que o diâmetro do sol central seja de 800 milhas, para que o diâmetro dos buracos polares seja de 1400 milhas e para que a espessura da casca da Terra seja de 800 milhas. Estes não parecem ser números calculados, mas criados a partir do nada. A solução que a Matemática nos dá é invalidada pela Física e pelas observações. O manto da Terra jorra dos vulcões e nos mostra sua composição e sua densidade. A gravidade da Terra é concordante com um núcleo mais denso do que a crosta e o manto. Como essa hipótese antiga e estranha postula os enormes buracos que não aparecem nas fotografias modernas, temos motivos suficientes para desconfiar de que todo o resto também não faça o menor sentido.

Criar uma hipótese sem base e que não possa ser verificada experimentalmente não nos traz benefícios. Eu poderia dizer que a gravidade da Terra é causada por duendes mágicos que moram em seu interior oco, muito profundamente, e que puxam cada átomo com sua força mental. Se eu começar a acreditar nisso, posso ficar tentado a descrever o aspecto físico dos duendes, a roupa que vestem e as cidades onde moram, num processo psicológico de construção de castelos no ar. Como eu nunca vi esses seres milagrosos e não posso ir até onde supostamente estão para provar sua existência, o correto seria abandonar essa hipótese ou deixá-la de molho no banco da reserva até que surja alguma evidência que me dê uma ponta de esperança de ter encontrado a verdade, por mais estranha que ela pareça. Porém, meu lado emocional pode oferecer resistência ao racional, recusando-se a abandonar o desejo de viver a grande aventura de sondar o interior da Terra e descobrir um mundo inimaginável e maravilhoso. Assim é a Terra oca, que não resiste à lógica nem às observações, mas ainda tem o poder de cativar uma legião de apaixonados pelo sobrenatural, pelo fantástico e pelo mistério. De minha parte fico aguardando as evidências, com a vantagem de saber reconhecer meus enganos e voltar ao início novamente, sem ressentimentos, sempre que for necessário construir um modelo mental que descreva a realidade de um modo melhor.



VOLTAR