Estranhas sombras na Lua - IV


Figura 1: Determinação da sombra de uma haste vertical.

Em visita a alguns fóruns na Internet, impressionou-me a grande quantidade de jovens que ainda acreditam no conteúdo de certas páginas polêmicas da Web. Pelo que vi, os sites que fazem acusações contra a NASA e apontam as viagens à Lua como falsas continuam a aumentar em número e a enganar cada vez mais pessoas inocentes, utilizando as mesmas provas ridículas de sempre. Entre estas, a mais irritante é a que alega haver sombras estranhas nas fotos batidas na Lua, porque é extremamente tola e fácil de ser desmascarada. Na verdade, conheço algumas crianças com capacidade para perceber a brincadeira de mau gosto (ou a ignorância do criador da suspeita). Por isso, escrevo este texto àqueles jovens cheios de energia ainda mal direcionada, pouco chegados à boa leitura, vítimas garantidas dos conspiracionistas que se divertem com a prática dessa deseducação que vem causando enorme dano em todos os cantos do mundo.

Estudar e aprender alguma coisa verdadeira e útil não dói muito e, com o exercício, pode até se tornar uma atividade agradável. Vou tentar exemplificar isso aqui, mostrando como é fácil encontrar graficamente a sombra de uma haste vertical, com uma boa aproximação, no caso particular de o observador estar voltado para a fonte de luz. Se você for uma daquelas pessoas iludidas pelos espertalhões que querem passar uma borracha na História e na Ciência para começar tudo de novo do jeito deles a partir do zero, é bom saber que talvez não seja tarde para libertar sua mente. Se quiser tentar, faça um pequeno esforço e acompanhe minhas explicações.

Olhe para a figura 1. Nela está uma fonte de luz distante (L), que pode ser, por exemplo, a Lua vista à noite a partir do solo terrestre ou o Sol visto durante o dia a partir do solo lunar. Acompanhe os passos para a construção da sombra da haste AB (branca), fixada verticalmente sobre um solo plano, horizontal e infinito (esta é a aproximação feita):


1) Trace a reta número 1 (azul), partindo verticalmente da fonte de luz L até chegar à linha do horizonte, onde você deve marcar o ponto F, que é muito importante para a perspectiva.

2) Trace a reta número 2 (verde), partindo do ponto F até o ponto B, que é a base da haste. Prolongue esta reta indefinidamente. Ela marca a direção da sombra da haste sobre o solo.

3) Trace a reta número 3 (vermelha), partindo da fonte de luz L até o ponto A da haste. Prolongue esta reta até que ela cruze com a reta número 2. A interseção das retas 2 e 3 nos dá o ponto A', que é a sombra do ponto A. O ponto B', sombra do ponto B, coincide com B, porque este está no solo.

4) Trace a reta (preta) que liga os pontos A' e B', que é a sombra procurada para a haste AB.


Figura 2: Convergência aparente das sombras.

Não é simples? Então, pratique um pouco o método em um rascunho, com um lápis e uma régua, não se esquecendo de que você pode ter dificuldades nas situações que geram sombras infinitas, que são comuns. Isso ocorre quando, no desenho, o comprimento da haste AB for igual a ou maior que o segmento de reta LF (azul). Diante desse e de outros casos excepcionais que não citei, use sua imaginação ou peça ajuda.

Veja agora, na figura 2 (e aqui, porque é mais chocante), o que ocorre quando aplicamos essa regra de construção de sombras para várias hastes de alturas diferentes, dispostas em diversos pontos do solo, a diferentes distâncias do observador. Note que o ponto F é o mesmo para todas as hastes. Ele é chamado de ponto de fuga, porque todas aquelas sombras apontam para ele. Isso vem da teoria da perspectiva e é demonstrado pela prática, mas os desconfiados conspiracionistas (ou maldosos ilusionistas) continuam a afirmar que as sombras deveriam se apresentar paralelas nas fotos da NASA, como se eles nunca tivessem visto esse efeito de convergência em fotografias comuns. E é justamente esse comportamento por demais suspeito que deveria chamar a atenção dos jovens que estão sendo facilmente enganados.

Espero que tenha ficado claro, no exemplo acima, que as sombras das hastes são de fato paralelas sobre o solo e que é somente o efeito da perspectiva que faz com que elas pareçam convergir na figura, apontando todas para o ponto F. Do mesmo modo, as retas (vermelhas) que ligam a fonte de luz ao topo de cada haste são todas paralelas entre si, mas, na figura, parecem se juntar no ponto L. Isso ocorre porque os pontos L e F estão no infinito, justamente onde costumamos dizer que as retas paralelas se encontram. Assim, num desenho em perspectiva, cada grupo de retas paralelas terá seu lugar de encontro.

Como uma ajuda para compreender esse efeito aparentemente estranho, faça um teste prático como o da figura 2. Coloque várias hastes verticais espalhadas sobre um solo plano e horizontal, iluminadas pelo Sol do início da manhã ou do final da tarde. Note como as sombras parecem apontar para um único lugar da linha do horizonte. Então, chegue perto de cada haste e observe como as sombras são paralelas. Note também como os raios que partem do Sol e vão até cada haste parecem ser divergentes. Então, imagine o Sol e a Terra num modelo em escala e trace mentalmente os raios de luz solar que vão até as diferentes hastes na superfície da Terra. Pense bem se esses raios são mesmo retas que formam grandes ângulos entre si, como as linhas (vermelhas) da figura 2 sugerem. Percebeu? Em seu modelo mental, as diferentes retas que ligam o Sol a um local de pequena área, na Terra, são praticamente coincidentes, o que é o mesmo que dizer que elas são paralelas.

É possível aplicar o método de construção de sombras em cima das fotos da NASA. Tente e verifique se a convergência das sombras ocorre ou não de acordo com a teoria da perspectiva. Eu já fiz isso algumas vezes. O que você acha que aconteceu?

Figura 3: Convergência de linhas paralelas em uma foto comum.

Para dar uma prova definitiva de que linhas paralelas podem convergir numa fotografia, veja minha rua na figura 3. Clique aqui e observe o encontro de algumas linhas paralelas no ponto de fuga: meios-fios, extremidades superior e inferior dos muros, limites de canteiros e telhados, cabos da rede elétrica e telefônica, etc. É exatamente essa convergência aparente que ocorre com as sombras no ambiente lunar, quando elas estão de fato dispostas paralelamente em um solo plano e horizontal.

Com tudo isso que apresentei, espero ter conseguido mostrar onde está a verdadeira conspiração. Ela atua contra você e seu sucesso na vida, porque influencia negativamente seu modo de pensar, substitui sua cultura geral por lixo e, em alguns casos, como se o estrago causado não fosse suficiente, ainda tenta levar seu dinheiro, pretendendo que você compre algo inútil e ainda pague pelo seu próprio suicídio intelectual e profissional. Ela bem que poderia ser uma eficiente conspiração para eliminar concorrências neste mundo competitivo. Quem sabe, não é mesmo?

É hora de acordar, garotada! Olho vivo! O Brasil precisa de gente esperta, no bom sentido. Não se deixem manipular por indivíduos com objetivos questionáveis. Observem a Natureza à sua volta, estudem mais e pensem cada vez melhor.

Caso encerrado? Fim de papo ou alguns conspiradores alucinados ainda vão tentar fazer você acreditar que a NASA falsificou minha rua?



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