Minhas leituras sobre assuntos científicos "polêmicos" na Internet têm me deixado cada vez mais desconfiado de que, para um certo tipo de pessoa, a primeira dificuldade que surge durante a tentativa (inútil) de análise de um fenômeno natural passa a ser entendida como uma prova da incapacidade dos cientistas. Considerando também as entrelinhas, já li coisas mais ou menos assim: "Vejam como sou inteligente! Os astrônomos, com seus telescópios enormes e computadores poderosos, ainda não perceberam que estão cometendo um erro banal e típico de um idiota, que qualquer Zé Mané foragido da escola pode comprovar facilmente se olhar para o céu a olho nu por dois minutos, como eu fiz". O pior é que essa atitude infantil irresponsável, produto de uma crise alucinatória, funciona como uma seita que arrebanha jovens facilmente iludidos por ela.
Como não sou psiquiatra, não sei se a megalomania paranóica terminal existe na relação oficial dos distúrbios da personalidade, mas é fato que certas pessoas simplórias sofrem de algo semelhante quando culpam a Ciência por sua própria incapacidade para entender os fenômenos físicos. Basta uma rápida passada de olhos em alguns endereços da Web para constatar o que estou afirmando. Essa atitude deixa explícita a imagem mental que alguns leigos não assumidos têm sobre os especialistas que passam a vida estudando coisas que geralmente são incompreensíveis ou desinteressantes para as pessoas não envolvidas com o mundo científico.
Depois de anos desperdiçados na tentativa infrutífera de dialogar com aqueles que desejam substituir, por um caldeirão de incoerências, em cinco minutos, todo o conhecimento construído em milênios, só me resta escrever a quem ainda está em cima do muro. Assim, para começar, se você tiver o mais leve resquício de suspeita de que o já famoso Davino possa estar com a razão em algumas coisas que ele diz contra a Ciência, contra os cientistas e, principalmente, contra os astrônomos, leia com cuidado o que tenho a dizer, porque vou mostrar um dos erros dele, como exemplo, para provar como é fácil enganar-se ou ser enganado quando não se estuda primeiro o modelo apresentado oficialmente como o que descreve com precisão o movimento dos astros.
Davino afirma que a Terra não gira em torno do Sol e apresenta uma justificativa interessante. Com suas próprias palavras, ele parece querer nos transmitir a seguinte idéia, que foi adaptada aqui para melhor compreensão dos leitores:
1) A Terra realiza uma volta completa (360 graus) em torno de si mesma a cada 24 horas, no movimento que tem o nome de rotação.
2) Sabemos, por meio da observação simples, que o Sol, em seu movimento aparente, devido à rotação da Terra, passa todos os dias pelo meridiano do observador, ao meio-dia, ou seja, uma vez a cada 24 horas.
3) Isso prova que a Terra fica (quase) estacionária a uma distância (praticamente) fixa do Sol. Se a Terra girasse em torno do Sol, a posição relativa do Sol mudaria muito e ele jamais voltaria ao alto do céu todos os dias ao meio-dia.
4) Como conseqüência, se o movimento de translação da Terra existisse, o Sol nasceria 2 horas mais cedo a cada mês, criando a situação absurda de, em uma determinada época do ano, o Sol nascer às 18 horas, ficar no alto do céu à meia-noite e se pôr às 6 horas da manhã, até mesmo numa cidade como Macapá, situada na Linha do Equador.
À primeira vista, o que Davino diz parece ser muito coerente para os analistas da superficialidade. E é justamente aí que mora o perigo, porque a verdade pura e simples é que todo o raciocínio de Davino se apoia em uma afirmativa falsa e pouco conhecida pela maioria das pessoas: a de número 1 na lista acima.
"Aprendemos" que a Terra gira em torno de si mesma e gasta exatas 24 horas para realizar esse movimento. Por ser esta uma das "verdades inquestionáveis" que engolimos desde cedo na vida, poucos vão perder tempo para pensar sobre ela. Daí, como a afirmativa número 1 é considerada verdadeira, as três restantes parecem fazer sentido e acabam "provando" que a Terra não se move. É por isso que Davino se engana e consegue enganar muita gente.
A explicação correta para o que ocorre neste caso é que nossos relógios não foram feitos para indicar o período de rotação da Terra, porque isso não seria útil nem prático para atividades não astronômicas. Foi justamente para evitar o problema de o Sol nascer, a cada mês, 2 horas mais cedo, que nossos relógios foram sincronizados com o Sol, ou seja, o que eles indicam é o que os astrônomos chamam de dia solar médio, que tem exatamente 24 horas e garante que o Sol esteja mais alto por volta do meio-dia local.
Se a Terra não girasse em torno do Sol, o dia solar, dos relógios, coincidiria com o período exato da rotação (relativo às estrelas distantes), que é de 23 horas, 56 minutos e 4 segundos. Como a Terra tem um movimento de translação, ela se desloca cerca de 1 grau por dia em sua órbita. Por isso, partindo do meio-dia, com o Sol alto, após realizar uma rotação completa, a Terra não terá mais o Sol novamente no alto. Ela ainda precisará girar durante 3 minutos e 56 segundos além de seu período de rotação para que nossos relógios completem as 24 horas, para que seja meio-dia e para que o Sol retorne ao meridiano local. Portanto, as 24 horas dos relógios correspondem a um giro da Terra de aproximadamente 361 graus.
Você percebeu exatamente onde foi que Davino errou? Ele fez reclamações contra a Ciência, mas demonstrou desconhecer que os relógios foram criados para marcar meio-dia quando o Sol estiver alto no céu, cruzando o meridiano. Ele não parece saber que as 24 horas marcadas no mostrador dos relógios nada têm a ver com o período de rotação da Terra. Ele não deve ter percebido que os antigos astrônomos escolheram fazer com que os relógios seguissem o movimento diário aparente do Sol, não o das estrelas distantes, para evitar que ocorressem aberrações como, por exemplo, a de o Sol estar no alto do céu de Macapá à meia-noite, em alguma época do ano.
Vou apresentar adiante um resumo dos fatos com ponderações que podem ajudar as pessoas na tarefa de compreender melhor os movimentos de rotação e translação da Terra:
1) Nosso planeta realiza uma rotação completa (360 graus) em torno de si mesmo a cada 23 horas, 56 minutos e 4 segundos. Esse período é chamado de dia sideral porque é medido em relação às estrelas do céu profundo, que podem ser consideradas como pontos fixos de referência no espaço.
2) O período chamado de dia solar, de 24 horas, medido pelos relógios, corresponde ao tempo médio decorrido entre duas passagens consecutivas do Sol pelo meridiano de um observador fixo na superfície da Terra. Esse período é 3 minutos e 56 segundos maior que o período do movimento de rotação e corresponde a um giro da Terra de um ângulo aproximadamente igual a 361 graus.
3) Se o movimento de translação da Terra não existisse, uma estrela distante que estivesse oculta atrás do Sol ficaria sempre lá, invisível, porque o alinhamento Estrela-Sol-Terra seria eterno. Mas, quando observamos o céu, percebemos que uma estrela, que hoje esteja atrás do Sol, estará, dentro de seis meses, no ponto do céu que é oposto ao Sol. Então, em somente meio ano, teremos passado do alinhamento Estrela-Sol-Terra para o alinhamento Estrela-Terra-Sol, o que comprova a existência de um movimento extra, além da simples rotação. Após mais seis meses a partir daí, o alinhamento original se repete e a estrela novamente desaparece.
4) Se os planetas não girassem em torno do Sol, nós não poderíamos prever suas posições futuras pelo uso de equações que consideram a existência do movimento de translação. Mas tais previsões são feitas e os fenômenos sempre ocorrem exatamente como foram calculados. Portanto, os movimentos considerados existem. Foram eles que deram origem às equações que utilizamos hoje, porque planetas estáticos não necessitam de equações de movimento.
5) Um modelo de Sistema Solar com planetas imóveis não pode explicar o que vemos no céu. Dois planetas podem estar juntos em uma época do ano e muito separados em outra. Esse movimento foi logo percebido pelos primeiros seres humanos curiosos, nossos antepassados distantes, no início da civilização, na aurora da inteligência humana, mas há cada vez mais pessoas no mundo que não o notam, mesmo sendo ele tão evidente a olho nu.
A situação nos apresenta duas alternativas diferentes para analisar e, através de observações práticas, decidir qual delas é a que melhor corresponde ao que ocorre no céu. Para isso, vamos usar uma estrela que fique oculta na região atrás do Sol em alguma época do ano. Como as estrelas estão muito distantes de nós, sua luz chega ao Sistema Solar num feixe de raios paralelos entre si. Vejamos, em cada um dos dois casos, o que devemos esperar que aconteça.
Primeiro: De acordo com o modelo de Davino, da figura 1, como a Terra não sai muito da posição em que está, a estrela fica para sempre escondida pelo brilho solar. A seta vermelha mostra que, quando um observador olha para o Sol a partir da Terra, ele está também com os olhos voltados para a estrela. Neste caso, o Sol é sempre visto em uma mesma região do céu, ou numa única constelação, à qual aquela estrela pertence. Não há a menor possibilidade de ocorrer, por exemplo, que o Sol e a estrela sejam vistos em lados opostos do céu, separados por um ângulo de 180 graus, porque, no modelo de Davino, a Terra nunca fica situada entre a estrela e o Sol.
Segundo: De acordo com o modelo dos astrônomos, da figura 2, a Terra gira em torno do Sol com um período de 1 ano, ocupando uma posição diferente da órbita a cada instante. São mostradas as posições da Terra em quatro épocas, A, B, C e D. Neste caso, nota-se que a estrela fica oculta pelo brilho do Sol quando a Terra está em A, mas, por causa do movimento de translação, essa situação não é permanente. Quando a Terra está em B (três meses depois de A), as retas Terra-Sol e Terra-Estrela já formam entre si um ângulo de 90 graus, como mostram as setas vermelhas. A estrela é vista com facilidade. Com a Terra na posição C, entre o Sol e a estrela (seis meses depois de A), um observador vê o Sol e a estrela em lugares opostos do céu. Com a Terra na posição D (nove meses depois de A), o Sol e a estrela voltam a estar separados por 90 graus. Com o retorno da Terra à posição A (1 ano após o início), o Sol esconde a estrela e o mesmo ciclo recomeça.
A grande diferença entre os dois modelos facilita nosso teste. Eu sugiro que ele seja realizado por você. Vamos escolher uma estrela que fique aproximadamente no plano da órbita da Terra. Embora Davino diga, indiretamente, que esse plano não existe, isso não vem ao caso. O que importa é verificar se o ângulo Estrela-Terra-Sol é constante ou se muda sempre e passa por valores próximos de zero e de 180 graus em épocas separadas por seis meses. No modelo de Davino, esse ângulo é fixo; no modelo dos astrônomos, ele muda muito com o tempo.
Vou indicar uma estrela que você possa encontrar com facilidade. Você deve olhar para ela pelo menos uma vez por mês e medir aquele ângulo. Minha sugestão é Aldebaran, a estrela brilhante vermelha da constelação do Touro, que pode ser encontrada com a ajuda do mapa da figura 3. Use como referência as Três Marias, que são muito conhecidas, Sirius, que é a estrela mais brilhante do céu noturno, e as Plêiades, um grupo de estrelas que desperta nossa curiosidade. A melhor época do ano para encontrar Aldebaran é em dezembro, quando ela fica visível por toda a noite.
Agora, preste atenção ao que descobri quando eu mesmo realizei repetidamente esse teste, ano após ano, durante décadas:
A) No início de junho, Aldebaran fica escondida pelo brilho solar, o que sugere um ângulo Aldebaran-Terra-Sol próximo de zero. Essa verificação foi algumas vezes realizada no início da noite, com o Sol um pouco abaixo do horizonte oeste, e outras vezes no fim da madrugada, com o Sol um pouco abaixo do horizonte leste. Não é possível ver essa estrela em nenhum dos dois casos.
B) No início de setembro, um pouco antes de o Sol nascer, o ângulo Aldebaran-Terra-Sol fica próximo de 90 graus, porque o Sol está logo abaixo do horizonte leste e Aldebaran está na parte alta do céu, perto do meridiano local.
C) No início de dezembro, logo após o Sol se pôr, o ângulo Aldebaran-Terra-Sol fica próximo de 180 graus, porque o Sol está logo abaixo do horizonte oeste e Aldebaran está logo acima do horizonte leste, em oposição ao Sol. Olhando-se no final da madrugada, o mesmo ângulo se confirma, porque o Sol está logo abaixo do horizonte leste e Aldebaran está logo acima do horizonte oeste.
D) No início de março, logo após o Sol se pôr, o ângulo Aldebaran-Terra-Sol fica novamente próximo de 90 graus, porque o Sol está logo abaixo do horizonte oeste e Aldebaran está na parte alta do céu, perto do meridiano local.
Depois desse experimento prático que fiz várias vezes na vida, desde cedo, e que, espero, você também venha a fazer, não restam dúvidas de que o modelo correto é mesmo o dos astrônomos. O movimento aparente que faz o Sol atravessar as constelações do Zodíaco durante o ano é inegável por sua própria nitidez, mas, pelo modelo de Davino, o Sol deveria ser visto sempre na mesma constelação. Assim, tudo o que se vê no céu sugere que a Terra gira em torno do Sol, como afirmou Galileu a um alto preço numa época que parece estar sendo revivida pela inquisição cibernética dos leigos de hoje.
Davino ainda não se convenceu de que estão nele mesmo os erros que ele diz pertencer à Ciência. Ele simplesmente não consegue entender as coisas e por isso joga a culpa nos cientistas. Ainda não satisfeito, em vez de ir estudar ou tentar eliminar suas desconfianças num debate com especialistas, ele decide transmitir sua confusão a outras pessoas, causando um enorme estrago educacional ao convencer uma legião de desprevenidos.
Se você ainda está com alguma dúvida sobre o movimento dos planetas, procure ler o que os astrônomos têm a dizer. Faça perguntas a eles e compare suas informações com o céu real que está disponível lá fora. Não acredite na possibilidade de que uma pessoa mal informada e sem nenhuma instrução científica descubra falhas elementares na Ciência, porque esta é o resultado do esforço coletivo de gente muito competente. Enfim, como sempre digo, tome cuidado com o que você encontra na Internet, porque ela está cheia de armadilhas. Cuide-se e aprenda a separar o joio do trigo. Neste caso específico, o joio nos engana e às vezes rouba nosso dinheiro. O trigo, gratuitamente, nos faz crescer por dentro e deixa o mundo um pouco melhor.