Carta a Davino nº2


Uberlândia, 16 de agosto de 2011


Caro Davino,


Sempre admirei sua coragem para enfrentar a oposição do mundo, mas o que está acontecendo é simples: tudo o que parece não fazer sentido na Ciência você interpreta como sendo um erro dos cientistas. A verdade é que você não está entendendo as teorias astronômicas nem o que vê no céu. Pode acreditar: o erro é seu, não de todos os astrônomos deste planeta.

O que você entende como sendo um erro científico tem, na verdade, uma explicação lógica banal. Há cerca de dez anos tentei conversar com você mas não consegui. Você demorava demais para dar respostas às minhas mensagens de correio eletrônico e nunca debatia sobre o que eu postava; apenas repetia suas hipóteses. Então, desisti, mas não diga, por isso, que os astrônomos fogem do debate.

A base de sua desconfiança em relação ao Sistema Solar está nas velocidades da Terra e da Lua. Vou explicá-las aqui:

Já ouviu falar em velocidade relativa? Deveria, porque é só isso que temos. Velocidade absoluta não existe. Para citar uma velocidade, precisamos sempre dizer ou dar a entender qual é o referencial, ou seja, o ponto em relação ao qual ela foi medida. Além disso, é importante entender que, para comparar diretamente duas velocidades, ambas devem ser medidas em um mesmo referencial. Vejamos um exemplo:

João está viajando em um trem a 100 km/h. Esta velocidade foi medida em relação aos trilhos, que estão fixos no solo. Então, o referencial usado é a Terra. João está sentado numa das poltronas do trem e vê Maria caminhar pelo corredor a uma velocidade de 5 km/h. Esta outra velocidade foi medida por João, que se sente parado no trem e com pleno direito de medir velocidades. Então, o referencial agora é o trem, não a Terra. Maria caminha no mesmo sentido do trem, porque vai visitar o maquinista, lá na frente da composição. Na verdade, Maria está ultrapassando o trem, pois o está deixando para trás. Mas, se ela caminha a 5 km/h e o trem corre a 100 km/h, como ela pode estar ultrapassando o trem? Preciso explicar? Seria isso uma fraude ferroviária?

Você diz mais ou menos o seguinte: "A Terra tem uma velocidade de 30 km/s, mas a Lua tem uma velocidade de 1 km/s. Então a Lua, que é mais lenta, não consegue acompanhar a Terra." Aí está o problema: você está comparando velocidades que não foram medidas em um mesmo referencial, como na viagem de João e Maria. A velocidade da Terra foi dada em relação ao Sol, mas a velocidade da Lua foi dada em relação à Terra.

Se medirmos a velocidade da Lua em relação ao Sol, veremos que varia regularmente: às vezes é um pouco maior e às vezes é um pouco menor que a da Terra. É por isso que a Lua se adianta e se atrasa em relação à Terra, repetidamente, ao caminhar com ela em torno do Sol. No Quarto Crescente e no Quarto Minguante, a velocidade da Lua é igual à da Terra (30 km/s). Na Lua Cheia, a velocidade da Lua é máxima (31 km/s). Na Lua Nova, a velocidade da Lua é mínima (29 km/s). É o que ocorre quando usamos o Sol como referencial de velocidades.

Quando observamos a Lua a partir da Terra e medimos sua velocidade, vamos encontrar um valor sempre próximo de 1 km/s, porque agora o referencial é a Terra. Foi deste fato que nasceu sua dúvida. Compreenda isso e, em seu modo de ver as coisas, o que parecia ser uma fraude se transformará em uma ciência de grande beleza.


Um abraço,


Roberto F. Silvestre
(astrônomo amador de infinita paciência)


PS1: Estarei sempre pronto para um debate virtual e a tirar dúvidas de quem precisar de esclarecimento.

PS2 (para não leigos): Quando o referencial é o Sol, a velocidade da Lua citada no texto é a componente de seu vetor velocidade projetada sobre a tangente à órbita terrestre no ponto onde a Terra está.

PS3: Já deu para desconfiar que não adianta escrever a Davino. Então, dedico este texto a quem se sentir tentado a acreditar nas teorias dele.



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