Algumas pessoas fazem de tudo quando querem provar que há um erro grave na Ciência. Elas até mesmo aceitam como corretos e utilizam os dados fornecidos pelos cientistas, se esses dados forem úteis para a comprovação daquele erro. Vejamos o que nosso amigo Davino diz sobre as velocidades da Terra e da Lua:
"Eu, Davino Servidio, continuo defendendo a minha Teoria e provando que a Terra não gira ao redor do Sol. Desde 1948, quando eu tinha 13 anos e aprendi na escola que a Terra girava ao redor do Sol e que tinha uma velocidade em órbita em torno do Sol de aproximadamente 104.000 Km/h, eu entendi que tinha algo errado. Era impossível que a Terra girasse ao redor do Sol, quando a nossa Lua gira ao redor da Terra numa velocidade de 3.200 Km/h. Foi aí que comecei a pensar e nunca mais parei".
Pelo que eu entendi do texto acima, Davino viu que a velocidade da Lua é baixa e a da Terra é alta. Daí, percebeu que a Lua não conseguiria acompanhar a Terra em torno do Sol. Então, deduziu que a Terra não gira em torno do Sol. Ele poderia ter dito que os cientistas se enganaram sobre a velocidade da Lua, que seria mais alta e permitiria que ela acompanhasse a Terra no movimento de translação. Ele poderia ter dito que os cientistas se enganaram sobre a velocidade da Terra, que seria mais baixa e permitiria que a Lua a acompanhasse em sua órbita em torno do Sol. Mas, não. Como ele desejava provar que o movimento de translação não existe, ele torceu tudo para o lado dele.
Se os cientistas são tão distraídos e cometem erros banais a todo momento, por que Davino aceitou a velocidade da Lua e não a da Terra? Por que Davino não desconfiou das velocidades de um modo que fosse favorável à existência do movimento de translação? Não seria mais provável, por exemplo, que as velocidades estivessem impressas com erro no livro dele? Parece que, na época de estudante, Davino não conseguiu tirar essa dúvida com quem entendesse do assunto. Então, por que ele não faz isso hoje, em vez de ficar curtindo a ilusão que lhe deu fama?
Outra coisa interessante é que, entre mais de seis bilhões de pessoas, somente Davino viu que essas velocidades são aparentemente incompatíveis. Parece que ninguém mais notou nada de errado nisso. Não é meio estranho? Não é uma coisa simples demais, até para uma criança, perceber que 3200 é menor do que 104000? Por que será que somente Davino notou?
Para resolver esse caso, vamos primeiro tentar calcular as velocidades citadas acima. Velocidade se calcula dividindo espaço por tempo. Em cada caso, da Terra ou da Lua, devemos tomar o comprimento do caminho percorrido e dividir pelo tempo gasto em percorrê-lo. Consultando livros modernos, encontramos os seguintes dados aproximados:
Para a Terra:
Comprimento da órbita = 939951139 km ; tempo gasto = 365,2564 dias
VT = 939951139 / 365,2564
VT = 2573401 km/dia
VT = 107225 km/h
Para a Lua:
Comprimento da órbita = 2415262,7 km ; tempo gasto = 27,321661 dias
VL = 2415262,7 / 27,321661;
VL = 88401 km/dia;
VL = 3683 km/h
Pelo que vemos, Davino tem razão, porque os valores que ele cita para as velocidades da Terra e da Lua são da mesma ordem de grandeza que os valores calculados. Mas, e agora? Como explicar essa diferença tão grande que encontramos entre as velocidades? Como a Lua poderia acompanhar a Terra se acabamos de calcular que a Terra corre quase trinta vezes mais? Vejamos a seguir o que está acontecendo e onde foi que Davino derrapou.
Imagine que você esteja repousando tranqüilamente em um assento de um trem que corre a 100 km/h. Então, você vê uma pessoa caminhando pelo corredor do trem a uma velocidade que você avalia ser de 5 km/h. Quando a viagem termina, você salta na estação, encontra-se com Davino e relata a ele o que aconteceu. Ele responde que você se enganou e explica que uma pessoa que caminha a 5 km/h jamais poderia acompanhar um trem que corre a 100 km/h.
A solução do "problema" é muito simples. A velocidade do passageiro ambulante foi medida em relação ao trem, mas a velocidade do trem foi medida em relação aos trilhos. Com pontos de vista diferentes, ou seja, com referenciais diferentes para as velocidades, estas não podem ser diretamente comparadas. Isso é básico na Física, porque não podemos marcar um ponto fixo no espaço vazio para medir velocidades absolutas. A velocidade é uma grandeza relativa, porque nós temos sempre de dizer em relação a qual objeto ela foi medida. Talvez isso não tenha sido ensinado a Davino na escola.
No exemplo, a pessoa que passeava pelo corredor tinha uma velocidade de 5 km/h em relação ao trem, mas sua velocidade em relação aos trilhos ou ao solo, durante a viagem, seria de 105 km/h, se ela estivesse caminhando para a frente, no sentido do movimento do trem, ou de 95 km/h, se ela estivesse caminhando para trás, em oposição ao movimento do trem. Se alguém pudesse estar no Sol para olhar o trem, teria uma impressão totalmente diferente sobre a trajetória e a velocidade das pessoas que nele viajavam, porque os movimentos da Terra entrariam em cena, com 465 m/s de rotação na Linha do Equador e 29,8 km/s da translação em torno do Sol. Olhando a partir do centro da Via Láctea, a velocidade do Sistema Solar passaria a ser relevante, com seus 250 km/s. Olhando de uma galáxia muito distante, o movimento da Via Láctea poderia acrescentar aos passageiros uma velocidade comparável à da luz. Portanto, repetindo: velocidade absoluta é alucinação; uma coisa que não existe.
A Lua que não acompanha a Terra cai exatamente no caso do trem. Davino não entendeu que a velocidade da Terra foi calculada em relação ao Sol, enquanto a da Lua foi calculada em relação à Terra. A Lua gira em torno da Terra e a acompanha. Por ocasião da Lua Cheia, quando a Lua está caminhando no mesmo sentido da Terra, a velocidade da Lua em relação ao Sol é a soma daquelas duas velocidades que calculamos, ou seja, a velocidade da Terra em relação ao Sol mais a velocidade da Lua em relação à Terra: 110908 km/h. Por ocasião da Lua Nova, quando a Lua está caminhando no sentido oposto ao da Terra, a velocidade da Lua em relação ao Sol é a diferença entre aquelas duas velocidades que calculamos, ou seja, a velocidade da Terra em relação ao Sol menos a velocidade da Lua em relação à Terra: 103542 km/h.
Esses dois valores extremos, 110908 km/h e 103542 km/h, obtidos por considerações aproximadas, mostram que a velocidade da Lua em relação ao Sol varia, mas é comparável à velocidade da Terra em relação ao Sol, que é de 107225 km/h. Como agora o Sol é o referencial para todas as velocidades, podemos ver que a Lua consegue acompanhar a Terra em seu movimento de translação anual em torno dele, às vezes ficando um pouco para trás e às vezes passando à frente da Terra. Mas, para quem olha do Sol, a Lua caminha sempre no mesmo sentido da Terra, com maior ou menor velocidade, porque tudo depende do referencial adotado.
Probleminhas simples como esse não deveriam ser motivo para grandes discussões contra o trabalho sério dos cientistas. Que uma criança tenha dúvidas sobre aquelas velocidades é perfeitamente aceitável. O que fica difícil de digerir é que alguém continue pensando como uma criança pelo resto da vida, que, ainda assim, acredite que encontrou um erro bobo na Ciência e, desgraçadamente pior, que consiga convencer outras pessoas.