Pode parecer difícil fazer cálculos astronômicos, mas na verdade muitos deles seriam considerados banais por alunos do curso médio, desde que não fosse exigida muita precisão.
O propósito deste estudo é mostrar que é possível chegar a resultados próximos dos reais sem que se tenha de enfrentar as dificuldades inerentes a um cálculo exato. O trânsito de Vênus, ocorrido na manhã de 8 de junho de 2004, foi em parte visível no Brasil e chamou a atenção de muita gente. Por isso, ele foi escolhido como objeto de nosso trabalho.
Sendo Vênus um planeta mais veloz do que a Terra, ele a ultrapassa e percorre a região frontal do disco solar no mesmo sentido da translação. Na prática, o que se vê é a silhueta circular escura do planeta na frente do Sol, em um lento movimento de um lado a outro. O fenômeno começa um pouco antes de a reta que liga os centros da Terra e de Vênus tocar o limbo solar leste e termina um pouco depois de a mesma reta tocar o limbo solar oeste. Porém, nos cálculos feitos aqui, os planetas são considerados como pontuais, coincidentes com seus centros.
A figura 1 mostra o alinhamento de astros necessário para a ocorrência de um trânsito de Vênus pelo centro do disco solar, no início e no fim do fenômeno, conforme descrição abaixo:
A figura 2 mostra o trapézio utilizado nos cálculos que vamos fazer. Além dos mesmos pontos da figura 1, descritos acima, nela aparecem mais alguns elementos:
As trajetórias da Terra e de Vênus são consideradas como retas paralelas (durante o trânsito), as órbitas consideradas como circunferências no mesmo plano, com o Sol em seu centro comum, e as velocidades dos dois planetas consideradas constantes e iguais à velocidade orbital média de cada um.
É possível justificar as aproximações feitas. As órbitas da Terra e de Vênus, por exemplo, são de fato muito próximas de uma circunferência com o Sol no centro. As trajetórias dos dois planetas durante o trânsito são arcos muito curtos, de uma fração de grau, pouco curvos. Não é necessário considerar o Sol como esférico, porque o que se vê é quase exatamente o que se veria se o Sol tivesse a forma de um disco plano, perpendicular à linha que liga os centros da Terra e do Sol no instante do meio do fenômeno.
Sendo T o tempo total do fenômeno em horas, os comprimentos das trajetórias da Terra e de Vênus durante o trânsito são dados em quilômetros por:
A base CP do triângulo ACP é dada em quilômetros por:
A base EQ do triângulo AEQ é dada em quilômetros por:
A altura h do triângulo ACP é dada em quilômetros por:
Vamos considerar os dois triângulos ACP e AEQ, que são semelhantes. A relação entre suas alturas é igual à relação entre suas bases:
Portanto, a duração máxima de um trânsito de Vênus é de aproximadamente 8 horas. Para uma trajetória não central da silhueta de Vênus sobre o disco solar, seu comprimento é menor que o diâmetro do Sol e o tempo de ocorrência do fenômeno proporcionalmente menor. Durante o trânsito de 2004, a trajetória da silhueta de Vênus foi de 75% do diâmetro solar. Assim, a duração T' calculada para o trânsito não central passa a ser dada por:
Os cálculos de muito melhor precisão divulgados por Fred Espenak, da NASA, produziram como resultado os seguintes instantes de ocorrência das fases para o fenômeno geocêntrico, em tempo universal:
Como fizemos cálculos para o centro dos planetas, podemos considerar para o início do trânsito a média entre os dois horários do ingresso e, para o fim, a média entre os dois horários do egresso. Então, temos:
A diferença entre esses dois horários nos dá uma duração de 5 horas e 53 minutos para o fenômeno, somente 4 minutos a menos do que foi calculado pelo nosso método simplificado, o que corresponde a um erro próximo de 1%.