Torcendo um universo 3D


Figura 8.1

A primeira imagem mental despertada em nós quando contemplamos a grandeza do Cosmos é a que mais se aproxima do conceito de infinito. Ao olharmos para o céu noturno, numa noite sem Lua nem nuvens, de um local distante das cidades, logo nos imaginamos situados dentro de um volume de espaço sem fim e que, se tivéssemos condições técnicas e tempo disponível, poderíamos viajar por ele em linha reta, para sempre, em qualquer direção escolhida. Este modo intuitivo de imaginar o Universo é equivalente a uma forma geométrica denominada hiperplano (um espaço 3D), o análogo imediatamente superior ao plano comum, quando se sobe a escada das dimensões. Nesse espaço em particular, onde as linhas retas são possíveis, valem as regras da geometria euclidiana (plana), a qual, entre outras coisas, nos garante que os ângulos internos de um triângulo somam 180 graus.

Suspeitando de que o hiperplano talvez não seja a única forma possível para o Universo, devemos estudar outras possibilidades e suas implicações. Mas é preciso que tomemos muito cuidado com isso, porque, do mesmo modo como Eck não pode ver a forma da superfície em que vive, por estar preso nela, nós também não vamos poder ver a forma de nosso espaço 3D. Assim, não é uma tarefa fácil a que nos desafia agora. Ela deve ser realizada por meio de analogias, pois não é possível desenharmos espaços 3D. Somente com os recursos da Matemática teremos uma compreensão melhor das propriedades dessas formas geométricas, principalmente se elas forem cortadas, torcidas e coladas.

Para exemplificar, mas evitando as equações, vamos pensar no espaço que é o análogo de uma superfície esférica. Ele tem três dimensões e volume finito, curva-se no espaço 4D e fica com o aspecto de uma hiperesfera (se visto por seres 4D). Mas esta é oca, porque o espaço 3D que estamos considerando corresponde somente à sua casca externa (uma casca 3D). As regiões interior e exterior da hiperesfera não podem ser vistas nem visitadas pelos seres 3D que vivem naquela casca, porque elas são partes do espaço 4D. Figura 8.2 Soa de modo estranho, eu sei, mas, analisando com cuidado o caso análogo, no degrau imediatamente inferior da escada dimensional, você vai perceber a lógica. Para isso, releia a segunda, a terceira e a quarta frases, sublinhadas neste parágrafo, substituindo "três" por "dois", "volume" por "área", "4D" por "3D", "3D" por "2D" e "hiperesfera" por "esfera", ajustando também a concordância gramatical. Você vai estar descrevendo perfeitamente uma superfície esférica.

Em resumo, o espaço 3D que estamos estudando é curvo, de volume bem determinado e raio de curvatura constante. Nele não existem linhas retas. A melhor aproximação delas são as geodésicas, que correspondem aos círculos máximos. Estes têm todos comprimentos iguais. Se um ser 3D caminhar em linha "reta" (geodésica), vai acabar retornando ao lugar de partida. Não pense, então, que um espaço de volume finito tenha algum limite físico que impeça as viagens de seus habitantes para além de certo ponto. Não há barreiras assinalando um fim. Por isso dizemos que esse espaço é ilimitado (não tem limites). Ele também não tem pontos especiais. Todos estão a uma mesma distância de um centro fixo, mas este fica fora do espaço 3D considerado. O raio de curvatura é a distância do centro até qualquer ponto desse espaço. Portanto, ninguém pode caminhar ao longo do raio, porque ele está situado no espaço 4D. E tome cuidado com a palavra fora, citada linhas atrás, porque ela significa apenas que o centro desse universo estudado não é um de seus próprios pontos, mas sim um ponto exterior a ele, embora esteja de fato dentro da hiperesfera oca. Sentiu a dificuldade? Sem a construção de boas imagens mentais disso tudo não se pode chegar a um entendimento satisfatório. Por outro lado, se você entendeu, acaba de realizar um hipersalto.

A figura 8.1 mostra uma superfície esférica, espaço 2D que pode ajudar você a "sentir" o espaço 3D curvo análogo, que acabamos de ver. Nela foi feita uma abertura circular para que você possa ver sua parte oca interior, seu centro e um raio (reta verde). Uma das geodésicas (circunferência vermelha) foi desenhada e mostrada também pela parte interna da superfície, para que você perceba que o centro dela coincide com o centro da esfera. Note que, para quem habita a superfície, sua curvatura é incompreensível, porque ocorre na terceira dimensão e não pode ser vista. Quando os seres 2D caminham ao longo das geodésicas, pensam que estão percorrendo linhas retas. Por isso fica tão difícil entenderem como podem, assim, voltar ao ponto de partida. Figura 8.3 Além disso, como aqueles seres acham que seu universo ocupa todos os lugares possíveis, ficam confusos quando tentam imaginá-lo torcido. A mesma situação ocorreria conosco se estivéssemos presos num espaço 3D análogo. Se o Universo tivesse essa forma, voltaríamos ao ponto de partida após uma longa viagem em linha "reta" e também não entenderíamos a sua curvatura. Seria difícil aceitar a existência de lugares fora dele, onde ninguém pudesse ir.

Ao tentarmos explicar a Eck que seu universo 2D é curvo, haveria uma tendência de que ele imaginasse uma parte de um plano com uma torção como a da figura 8.2, que ocorre sobre as duas dimensões que ele conhece, não sobre a terceira. O suposto plano torcido de Eck, que parece um quadrado deformado, continuaria sendo uma figura plana e nada teria a ver com uma superfície curva. Do mesmo modo, se nos dissessem que o Universo é curvo, talvez tentássemos imaginar uma parte dele torcida de modo semelhante, sobre as três dimensões a que temos acesso, não sobre a quarta. O resultado, que parece um cubo deformado (na mesma figura), continuaria pertencendo a um espaço 3D euclidiano (hiperplano) e nada teria a ver com um espaço 3D curvo. O universo curvo de Eck não cabe em um plano e, igualmente, o Universo (o nosso), se imaginado curvo, não pode estar contido em um hiperplano. Então, não tente ver esse tipo de curvatura, porque você não vai conseguir. O importante é saber que, se ela existir, vai causar efeitos físicos que podem comprová-la.

Seria bom investigarmos as propriedades geométricas de nosso espaço 3D através de testes, para ver se ele difere de um hiperplano. No caso de somarmos os ângulos de um triângulo, devemos estar atentos para o fato de que, se ele for pequeno demais, pode não mostrar um resultado diferente de 180 graus. Talvez possamos um dia desenhar grandes triângulos com raios de luz, mas, uma idéia menos difícil de ser posta em prática é verificar se a presença da matéria pode alterar localmente a geometria do Universo, como Einstein sugeriu há muito tempo na sua Teoria da Relatividade Generalizada. Esse teste foi feito pela primeira vez em 1919, durante um eclipse solar total, com resultados que apontaram para uma geometria espacial diferente da euclidiana nas imediações do Sol. Portanto, a gravidade é o efeito que sentimos quando nos colocamos em uma região torcida do nosso espaço 3D. Figura 8.4 Preferimos dizer que a gravidade é um campo de forças, porque não temos uma explicação mais simples para a variação de velocidade que ela causa nos objetos em movimento livre, mas as equações que a descrevem com perfeição são as mesmas que moldam um hiperespaço deformado. A gravidade tem tudo a ver com a geometria multidimensional não euclidiana.

Todos os exemplos dados quando torcemos um universo 2D se aplicam também ao espaço 3D. É possível criarmos situações análogas às daqueles casos da superfície cônica com circunferências de 270 graus e da tira torcida que inverte as formas 2D, deixando inúmeras possibilidades como exercícios para nossa imaginação.

Na figura 8.3 está uma parte de um universo 2D cilíndrico, onde são mostradas três de suas geodésicas: uma reta (azul), uma circunferência (vermelha) e uma hélice (espiral branca). Pense nas conseqüências das viagens ao longo dessas geodésicas. Veja como o resultado de uma viagem depende da direção escolhida de um modo surpreendente. Tente perceber como geralmente existem vários caminhos "retos", de comprimentos diferentes, ligando dois pontos fixos dessa superfície. Procure imaginar um espaço 3D com propriedades semelhantes.

Na figura 8.4 está uma parte de um universo 2D com um gargalo que impede a viagem de grandes objetos em algumas direções. Tente imaginar seu análogo 3D e procure "sentir" o que aconteceria com uma pessoa que fosse gorda demais para ultrapassar aquela região estreita. Resista à tentação de formar uma imagem mental de uma pessoa que tenta passar por dentro de uma ampulheta gigante, porque isto não tem nada a ver com o problema proposto. Talvez ajude se você perceber que Eck não vê o gargalo, mas nota sua presença de um modo muito interessante. Ele esbarra em si mesmo quando tenta atravessar aquela região apertada.

Imagine outras superfícies e tente descobrir propriedades em espaços 3D análogos. Em alguns espaços a soma dos ângulos internos de um triângulo é menor do que 180 graus. Prepare-se bem para poder seguir adiante.



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