Comentários sobre o parecer técnico da Universidade Federal de Uberlândia, analisando a poluição luminosa e seus efeitos prejudiciais ao meio ambiente


Quando eu soube que a Curadoria do Meio Ambiente havia solicitado a opinião técnica de alguns departamentos da UFU, eu esperava que ela obtivesse respostas simples para questões que considero também simples, tais como, por exemplo:


  1. A luz que sai das lâmpadas diretamente para cima ilumina o chão?

  2. Essa luz ascendente constitui ou não um desperdício de energia elétrica e de dinheiro, que em muitos casos é público?

  3. O fluxo de luz que sobe causa ou não diminuição da visibilidade do céu noturno e prejuízo para a pesquisa em Astronomia?

  4. Há ou não, em nossa cidade, luminárias que lançam luz diretamente para cima e para fora das áreas a serem iluminadas?

  5. É possível iluminar bem o chão sem jogar luz diretamente para cima?

  6. A luz forte que incide sobre nossos olhos causa ou não ofuscamento, incômodo e fadiga, com prejuízo para nossa segurança?

  7. O ofuscamento, causado pela observação direta das lâmpadas, faz melhorar ou piorar nossa percepção visual das áreas iluminadas?


Dois departamentos consultados não puderam emitir suas opiniões sobre o assunto, alegando incapacidade técnica para julgar a questão, especialmente em relação aos itens que abordam efeitos fisiológicos e psicológicos. Dois outros departamentos, da área tecnológica, emitiram um único parecer, feito em conjunto, o qual comentarei a seguir:

A primeira parte do texto explica o que é a luz e o espectro visível, a reflexão e a absorção pelas superfícies onde ela incide, os modos de geração da luz e os tipos de iluminação, citando também as normas técnicas que regulam a escolha da luminária a ser adotada em cada caso. Ela é apenas uma introdução ao assunto e, como não responde às questões que levantei, dispensa maiores atenções.

A segunda parte do texto aborda o assunto mais diretamente, mas, pelo que pude entender dela, contém algumas afirmações com as quais eu não concordo, já que parecem contrariar a minha própria experiência e as conclusões dos cientistas do Primeiro Mundo, que lidam com o problema da poluição luminosa há décadas. Tratarei uma a uma, mostrando a minha opinião a respeito:


a) "As luminárias para a iluminação de exteriores, principalmente para as vias públicas, geralmente são do tipo difusa, para proporcionar um sistema de feixe luminoso adequado para atingir a maior área possível, em um plano horizontal e vertical, garantindo um campo visual seguro para os transeuntes da via pública."


Atingir a maior área possível significa iluminar o máximo de espaço com a quantidade mínima de postes e luminárias, que são caros. Entretanto, o efeito produzido no solo pela luz que parte de uma luminária diminui drasticamente com a distância à lâmpada. Assim, é inútil jogar luz para longe, porque ela se espalha e perde seu poder de iluminar bem. Além disso, não faz sentido lançar luz para áreas distantes se nestas há outras luminárias que podem cumprir melhor sua função, devido à proximidade.

Quanto ao plano vertical, deve ser iluminado de forma cuidadosa, limitada, para que o fluxo luminoso não cause problemas ambientais, como ofuscamento de visão, invasão de privacidade e incômodo ao penetrar nas casas e apartamentos, e que também não se perca em direção ao céu.


b) "Salientamos que em função da densidade de população, quantidade de tráfego, alturas maiores de campo visual são necessárias, ..."


Independentemente do número de habitantes por quilômetro quadrado e do trânsito que temos nas ruas da cidade, pessoas e veículos ainda circulam pelo solo. Os viadutos e as pontes, que são elevados, possuem suas próprias luminárias. Os aviões não necessitam da iluminação urbana, já que também sobrevoam, sem dificuldade, as regiões desabitadas e escuras, como oceanos e florestas densas.


c) "... e maior homogeneidade de iluminação no plano horizontal irá requerer altura da fonte de luz mais elevada, e consequentemente a luminária terá que possuir características técnicas que sejam capazes de espalhar cada vez mais o feixe luminoso. Nestas circunstâncias, não há como evitar emissão de luz em um ângulo sólido mais obtuso, ..."


Não há correlação obrigatória entre a altura de uma luminária e o espalhamento de luz produzido. Tudo depende do tipo de luminária utilizado em um ou outro caso. Uma luminária baixa pode causar o mesmo espalhamento que uma outra mais alta, se esta última for mais fechada. O que importa é o ângulo sólido da emissão de luz, que é função apenas do modelo de luminária.

No caso de duas luminárias idênticas colocadas a alturas diferentes, o espalhamento será diretamente proporcional às alturas das fontes de luz, mas sua eficiência diminuirá muito com a altura. Dobrar a altura de uma luminária significa reduzir quatro vezes o fluxo de luz útil sobre o solo. Triplicar a altura faz reduzir em nove vezes o mesmo fluxo. Assim, luminárias muito altas requerem maior potência nas lâmpadas e maior gasto de energia elétrica. A altura do poste, então, é um item importante na determinação do gasto de energia e do efeito luminoso produzido, mas um poste alto não nos obriga, necessariamente, a ter um espalhamento maior.

O ângulo de espalhamento pode e deve ser obtuso (maior do que 90 graus). A recomendação dos cientistas é que ele seja, no máximo, de 140 graus, com 70 graus para cada lado da vertical. Isso garante a não emissão de luz diretamente para cima e para longe da área a ser iluminada, além de concentrar mais o feixe, iluminar melhor, reduzir a zero o desperdício e diminuir em cerca de 80% a poluição luminosa.


d) "... e ainda veremos reflexões da luz nas superfícies metálicas dos veículos, das fachadas dos edifícios. Ainda salientamos que o ar pode operar como um prisma, sendo capaz de polarizar o feixe luminoso, onde haverá locais que esse feixe não seja visível e em outras regiões o passe a ser. O efeito da poluição ambiental, ou seja a presença de partículas minúsculas podem provocar desvios desse feixe, produzindo maior difusão do feixe luminoso.(exemplo do uso farol baixo do veículo sob neblina)."


Pouco importam os reflexos em superfícies, ou se a luz pode ou não ter seu plano de vibração modificado pelo ar, ou se ela, indo para baixo, pode ou não acabar subindo antes de atingir o solo, devido à difusão ou à refração atmosférica. Tais efeitos físicos, se de fato ocorrem, não são fundamentais e talvez não possam ser totalmente eliminados. O que se questiona é a utilidade da emissão direta de luz para cima, sem que ela atinja as áreas que se pretende iluminar. Esta pode e deve ser totalmente evitada porque não traz benefícios ao cidadão que paga por ela.


e) "É importante salientar que o comprometimento da visibilidade do céu noturno não é causado somente pelas luminárias das vias públicas, mas também e principalmente por outros fatores comuns aos grandes centros urbanos, como luminosos comerciais, campo de futebol, iluminação de fachadas de prédios, e principalmente a iluminação de segurança das construções elevadas."


A poluição luminosa não é mesmo causada somente pela iluminação pública, mas para cada caso há uma solução específica. Nos países que respeitam mais o meio ambiente e tratam esse problema com a atenção que ele merece, há leis que regulamentam o uso de todos os tipos de iluminação urbana noturna para exteriores. Como um erro não justifica outro, a iluminação pública deve ser a primeira a ser considerada, principalmente porque ela é paga com dinheiro público.

Olhando para a cidade à noite, a partir de seus pontos elevados, o que mais vemos em quantidade e pelo seu intenso brilho dispersivo são as lâmpadas da iluminação pública. As lâmpadas de segurança das construções elevadas, obrigatórias, produzem um fulgor insignificante, como a simples observação visual o demonstra, mas há casos de algumas torres de transmissão, com iluminação desnecessária, intensa e abusiva, que excede em muito o propósito da segurança.

Outras fontes de luz forte existem, nas quadras de esportes, nos clubes, aeroportos, fábricas, estacionamentos, canteiros de obras, residências, etc. Todos esses casos merecem ser estudados porque o problema que causam provém do desperdício irracional. Assim, como o mesmo efeito de iluminação útil para o usuário pode ser obtido sem o comprometimento do meio ambiente, não há razão plausível para a existência dessa modalidade de poluição.


f) "O fato de uma pequena parcela do feixe luminoso estar dirigido acima do plano horizontal significar desperdício de energia radiante, é muito relativo, dependendo de seu objetivo isso deve ocorrer, e seu efeito é muito menor que gerado pelas reflexões."


A parcela de luz dirigida para cima não é pequena. Ela pode ultrapassar 30% de toda a luz gerada, sendo de fato um desperdício e não algo relativo. São muitos bilhões de dólares jogados fora anualmente no mundo por causa dessa "pequena" parcela de luz não utilizada.

Poluição relativa deve ser como o caso da fábrica que envenena um rio. Para o empresário não há poluição, já que ele não precisa comer o peixe que envenenou. Para os pescadores pobres e famintos, sem outra opção, há poluição. É esta a idéia? Quem causa o problema não é afetado por ele e por isso conclui que assim deve continuar a ser. E as vidas das outras pessoas? Não têm nenhuma importância?

Se há um objetivo em se lançar luz diretamente para o espaço sideral, qual é ele? Por que isso deve ocorrer? Se deve ocorrer, não pode ser na iluminação pública, porque o público fica abaixo das luminárias, na direção oposta, que é para onde toda a luz deveria ir.


g) "Observamos que há situações em que as luminárias não são especificadas tecnicamente corretas, isso se deve às condições econômicas de quem a contrata."


Há uma tendência para a associação da idéia de luminária tecnicamente correta com a de luminária cara, mas é fácil construir uma luminária de baixo custo que não cause emissão de luz para cima. As mais problemáticas, por exemplo, possuem um globo de vidro projetado para fora. Se não tivessem o globo, seriam mais baratas e poluiriam menos. Há casos de destruição dos globos por vandalismo que, quando não danificam as lâmpadas, fazem melhorar a iluminação da rua e reduzir a perda de luz.

Quando se fala em poluição luminosa, outras associações comuns são a de luminária fechada com luminária correta e a de luminária aberta com luminária incorreta. Não existe tal ligação, pois temos luminárias dos quatro tipos: fechada correta, fechada incorreta, aberta correta e aberta incorreta. Tudo depende da característica de gerar luz inútil, desperdiçando-a para cima, o que pode ocorrer tanto com as luminárias abertas quanto com as fechadas.


h) "Questiona-se o desperdício de energia, observamos que essa perda, para ser evitada seria necessário colocar fontes de luz muito próximas, e isso levaria a via pública algo totalmente fora de estética decorativa, e o consumo de energia elétrica seria significativamente maior!"


Questiona-se o desperdício de energia porque ele ocorre, sem necessidade. Será que quando jogamos luz diretamente para cima as ruas ficam mais iluminadas? Não seria o oposto? Não seria direcionando toda a luz para baixo que as ruas ficariam mais claras?

Se a luz que vai para cima não ilumina o chão, por qual motivo a eliminação desse desperdício exigiria postes mais próximos? A avenida João Naves de Ávila, por exemplo, que passa na porta do campus onde ficam os departamentos que emitiram este parecer técnico, possui iluminação que não polui o meio ambiente com luz desnecessária. Sugiro visita ao local, para que se verifique as distâncias entre os postes e a estética decorativa.

A referida iluminação foi aprovada e instalada de acordo com as mesmas normas técnicas rigorosas utilizadas no resto da cidade. Então, se as normas resultam em sistemas de iluminação excelentes e outros de péssima qualidade, é porque elas simplesmente não levam o meio ambiente em consideração. Aliás, havia, nas mesmas normas, uma referência específica aos cuidados necessários à iluminação de áreas próximas a observatórios. Onde está ela? Não está sendo cumprida ou foi suprimida pela revisão recente das normas? Com qual direito um pequeno grupo decide que um patrimônio natural não deve mais ser preservado? O povo não deveria participar de decisões importantes como essa?


i) "Salientamos que a opção da luminária adequada para as vias públicas, bem como a sua distribuição ao longo do leito, requer um estudo bem profundo e com detalhamento técnico sobre o assunto, e, por vezes, nem sempre um aparato mais eficiente apresenta-se mais conveniente, quer seja por questões de fluxo luminoso ou por questões econômicas."


Se os estudos profundos decidem jogar luz para cima, gastar mais energia do que o necessário e poluir o meio ambiente com um fluxo inútil, algo não vai bem com eles.

Utilizar luminárias de baixa qualidade para economizar na instalação e depois desperdiçar luz e energia elétrica para sempre é sair perdendo. Não faz sentido, para quem paga. Se for mesmo o caso de se considerar questões econômicas, é melhor pagar mais no início para poupar depois. A economia gerada pelo uso de boas luminárias compensa um possível maior gasto na sua compra. É por essa razão que em alguns países do Primeiro Mundo já estão adotando, para as novas áreas urbanizadas, luminárias que não causam poluição. Há casos até mesmo de substituição de luminárias antigas, problemáticas e em operação, pelas modernas, não dispersivas, porque constatou-se a recuperação do investimento em poucos anos. Depois, é só economia, para sempre.

Em Uberlândia há casos de substituição de luminárias antigas por outras muito mais dispersivas e com lâmpadas de sódio de maior brilho. Há indícios até mesmo de que ocorre, em alguns casos, um maior consumo de energia elétrica após a substituição.


j) "Sob esse aspecto as empresas concessionárias de energia elétrica, responsáveis pela manutenção da iluminação das vias públicas, levam em conta os equipamentos disponíveis no mercado observando o custo de consumo de energia elétrica, a facilidade e a freqüência de manutenção. Seria muito interessante um parecer técnico por parte dessas empresas."


Desconheço as normas em que se baseiam, atualmente, as decisões tomadas para a iluminação pública, mas li um parecer técnico da Cemig, muito interessante, sobre poluição luminosa. Foi um trabalho bem feito, em parceria com o atual Laboratório Nacional de Astrofísica, visando reduzir os efeitos danosos da iluminação dispersiva das cidades próximas àquele centro de pesquisas. Seu texto é bastante concordante com as minhas propostas para uma iluminação mais econômica e menos agressiva ao meio ambiente. O problema está em que o que se faz hoje é, na maioria dos casos, o oposto do que recomendava os resultados daquele estudo.


k) "Quanto à visibilidade do céu noturno, de pouco adiantará corrigir apenas as luminárias do sistema de iluminação pública, visto que elas contribuem com apenas uma parcela na conjuntura total do problema. Neste sentido, uma legislação municipal mais exigente em relação à iluminação de exteriores deverá definir áreas onde se deva preservar a visibilidade do céu noturno bem como dar um maior significado a expressão poluição luminosa. Também devemos atentar para a iluminação de interior contribuindo para a iluminação exterior."


Corrigir as luminárias do sistema de iluminação pública causaria grande redução no impacto ambiental atual porque sua parcela de interferência na visibilidade do céu noturno é também muito grande. Entretanto, não era esta a proposta do Observatório Astronômico de Uberlândia. A solicitação original era a adoção somente de luminárias corretas para as novas áreas a serem iluminadas e a substituição gradual, pelas corretas, conforme a necessidade, das luminárias já instaladas. Assim, a poluição luminosa não cresceria tão rapidamente.

Com a iluminação das novas áreas com luminárias extremamente dispersivas e de brilho muito forte, com a substituição simples das lâmpadas de mercúrio pelas de sódio em luminárias antiquadas, ou, pior ainda, com a substituição de luminárias antigas completas por outras mais dispersivas, como vem ocorrendo na cidade, a transparência do céu foi reduzida a níveis que comprometem muito os trabalhos do Observatório. Por isso, a situação que ora se apresenta torna necessária também a adaptação ou a substituição, únicas soluções capazes de reduzir o desperdício de luz, o fulgor do céu noturno e a luz intrusa, que invade os espaços dos cidadãos contribuintes sem o seu consentimento.

Não se pode concordar com a delimitação de áreas onde o céu seja preservado. O desperdício de luz deve ser evitado em todos os lugares, uma vez que a luz inútil também afeta o céu sobre as áreas distantes. O que se pode fazer é regulamentar de uma forma muito mais exigente a iluminação das áreas próximas a observatórios, como já ocorre até mesmo em alguns municípios brasileiros, como é o caso de Campinas, em São Paulo.

Quanto à poluição luminosa, ela é definida como qualquer efeito adverso causado sobre o meio ambiente pela interferência da luz artificial excessiva ou mal direcionada. Aí se inclui o fulgor do céu noturno, que ocorre principalmente sobre as áreas urbanas, impedindo o desenvolvimento da Astronomia e até mesmo eliminando a profissão de astrônomo nas regiões afetadas. Como as outras formas de poluição, ela também nasce do mau uso de uma tecnologia, da falta de conhecimentos, da insensibilidade, do descaso e do desrespeito pela Natureza.

A iluminação de interiores, em geral, não causa poluição luminosa. A iluminação de jardins e quintais das residências deve ser cuidadosa e é considerada externa. As luminárias de globos esféricos completos, muito usadas nesses casos, deveriam ser sempre evitadas, já que poluem muito e perdem, em geral, perto da metade da luz emitida, enviando-a diretamente para cima. Elas costumam ser adquiridas porque são bonitas durante o dia, e não porque são eficientes à noite. Algumas podem ser adaptadas para ter o seu desperdício de luz reduzido, mantendo-se o mesmo estilo. São muito utilizadas também em praças públicas.



CONCLUSÃO

O Observatório Astronômico de Uberlândia, através da denúncia feita à Curadoria do Meio Ambiente e de diversas outras ações paralelas, procura:


  1. encontrar uma solução urgente para o problema da poluição luminosa em Uberlândia, por ter ela atingido níveis insuportáveis;

  2. obter o reconhecimento público de que a falta de cuidado na escolha de luminárias, sejam elas usadas nas vias públicas ou não, vem reduzindo a transparência do céu noturno e inviabilizando diversas atividades educacionais, de pesquisa e de divulgação científica;

  3. chamar a atenção da população para o fato simples de que a luz problemática é apenas aquela que não traz benefícios a ninguém, porque é mal direcionada e não ilumina as áreas que são o objeto da iluminação, deixando também evidente que uma possível solução em nada afetaria os bons resultados obtidos hoje com a iluminação descuidada e agressiva que temos na maioria dos casos;

  4. obter o reconhecimento da própria Curadoria de que a poluição luminosa é uma das formas de interferência prejudicial à Natureza, que não se limita apenas aos efeitos relacionados à Astronomia, devendo ser combatida como as demais formas de poluição, como já ocorre em outros países;

  5. despertar a consciência das gerações mais jovens para a necessidade de preservação do meio ambiente, evitando a destruição de nossos patrimônios naturais, dos quais faz parte também o céu noturno.


No sentido de atender a esses itens, uma manifestação de apoio, na forma de um documento oficial, poderia dar imensa força às afirmações que venho fazendo contra a poluição luminosa. Era o que eu esperava ver chegar dos departamentos que opinaram. Entretanto, o parecer técnico da UFU, que poderia ajudar nossa cidade a preservar o seu observatório e, principalmente, a visão do céu para as futuras gerações, em quase nada contribuiu para isso. Seu texto, provavelmente escrito por quem desconhecia anteriormente o problema e teve pouco tempo para pesquisar a bibliografia adequada ou para informar-se através da Internet, contraria os meus argumentos básicos em vários pontos. Assim, não posso concordar com ele em grande parte e gostaria de solicitar, se possível, que fosse desconsiderado.

A grande lição que podemos tirar dele é que este assunto está longe de ser bem compreendido, mesmo por pessoas de bom nível intelectual. É por essa razão que se torna tão fácil fazer a população leiga aplaudir uma iluminação dispersiva quando a escuridão anterior deixa de existir. Tal fato tem sido aproveitado no mundo todo por pessoas que desejam unicamente preservar os seus interesses políticos ou comerciais.

A convivência dos seres humanos em uma sociedade urbana cada vez mais densa exige cuidados para que sejam respeitados os espaços existenciais dos seus indivíduos. Para isso, em princípio, temos leis e direitos iguais. Portanto, ninguém, de nenhuma instituição, pode pretender ignorar a existência do seu semelhante e decidir que ele não deverá ter o modo de vida que escolheu, sobretudo se o que se visa é o exercício pleno de cidadania digna e responsável, contando com inequívocas garantias constitucionais. Aqueles que julgam ter tamanho poder estão longe de compreender o verdadeiro sentido da vida e, por isso, não merecem permanecer em posições ou cargos que lhes permitam tomar decisões que afetem a todos.

A Astronomia é uma ciência que nos ensina sobre a pequenez e fragilidade do planeta que habitamos. Daí vem a consciência do todo e a compreensão de que devemos procurar, com urgência, formas de desenvolvimento que não venham reduzir ou anular totalmente as chances de sobrevivência das futuras gerações nem limitar as suas realizações. É com esse espírito que solicito ao Ministério Público que faça uma avaliação cuidadosa do problema que enfrentamos, que não se permita iludir pelas aparências e que tome a melhor decisão possível em função das evidências que apresentei e daquela que a simples observação do céu noturno nos revela.


Atenciosamente,


Roberto Ferreira Silvestre
Uberlândia, 24 de outubro de 1999



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