Carta ao jornal Folha de São Paulo


Uberlândia, 23 de dezembro de 1996


Ilmos. Srs.
Joelmir Beting e
demais jornalistas da Folha


           Há anos, astrônomos profissionais e amadores de todo o mundo vêm denunciando a política de iluminação pública que desperdiça luz, ofusca a visão das pessoas e torna impossível a pesquisa na área da Astronomia ou mesmo a simples observação da beleza do céu noturno, que é um direito inato de todas as pessoas.

           Em um país com ameaça de racionamento, onde se fala em economia de energia elétrica, por que se joga cerca de 40% da luz gerada para o alto ou para muito além da área onde a luz tem alguma influência útil? A iluminação de uma área cai drasticamente com a distância a uma fonte luminosa. Assim, não adianta dispersar a luz para todos os lados. Além disso, a observação direta da fonte de luz faz fechar as nossas pupilas, diminuindo nossa capacidade de enxergar. Isto causa estresse e erros de interpretação visual, ameaçando a segurança do trânsito de veículos e de pedestres.

           O simples fato de enxergarmos uma lâmpada ao longe já é prova suficiente do que estou afirmando. Para que uma lâmpada seja visível de uma grande distância, é preciso que parte da luz gerada por ela seja enviada aos nossos olhos. Portanto, essa fração de luz é perdida, por partir da lâmpada horizontalmente ou mais para cima, não iluminando o chão que fica abaixo dela. A boa iluminação é conseguida pela concentração da luz na menor área possível. E é bem fácil, mesmo para uma pessoa leiga, perceber que a luz que sobe não ilumina o chão.

           Por causa disso, nossas crianças tornam-se completamente ignorantes dos fenômenos naturais mais simples e também mais belos. Elas memorizam os nomes dos planetas mas nunca os viram ou pensam que são coisas abstratas, que existem apenas nos livros escolares. Tornam-se alienadas e cientificamente despreparadas, perdendo a melhor oportunidade de contacto com a Ciência desde cedo em suas vidas. O pior é que isto também ocorre, em geral, com suas professoras.

           Com a adoção das lâmpadas a vapor de sódio a alta pressão, extremamente luminosas, de brilho amarelado, o fulgor do céu acima das cidades está se agravando rapidamente. Isto está causando grandes danos à Astronomia brasileira. Há observatórios ameaçados de fecharem suas portas por não mais terem visível o objeto de seu trabalho. A eletrificação rural, sem a educação do homem do campo sobre a iluminação correta, também vem fazendo aumentar o véu de luz que nos impede de ver as estrelas, mesmo de locais distantes das cidades.

           Destruir um patrimônio natural por necessidade já é uma coisa lamentável. Mas o que dizer de se fazer isto a troco de nada, apenas por negligência ou por não se dar nenhuma importância a ele? Isto eu não consigo aceitar.

           Fica aqui o meu protesto contra a falta de respeito pela Natureza e contra o desperdício de energia elétrica e de dinheiro público, utilizados na geração de uma luz, em grande parte, inútil e prejudicial.

           Sugiro uma matéria sobre poluição luminosa, bem documentada, com depoimentos de cientistas brasileiros conhecedores do problema. Para isso, seria interessante um primeiro contacto com o pessoal do Laboratório Nacional de Astrofísica, por demais afetado pela situação atual. No exterior, o melhor contacto é o Dr. David Crawford, de Tucson, Arizona, onde fica a sede da International Dark-Sky Association, uma organização sem fins lucrativos que luta pela boa qualidade da iluminação pública e pela preservação da transparência natural do céu noturno.

           Agradeço antecipadamente pela sua atenção.


Roberto F. Silvestre
ASTRÔNOMO AMADOR



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