Calculando a Terra oca - I


Será que nosso planeta se encaixa melhor na hipótese da Terra oca ou na hipótese da Terra maciça? Veremos aqui um modo de resolver a questão, fazendo algumas continhas numa velha calculadora de sete dígitos.

Em primeiro lugar, vamos calcular qual é a densidade da Terra, considerando-a maciça, para comparar com esferas maciças de mesmo tamanho construídas com materiais conhecidos. Temos os seguintes dados confiáveis:

Massa da Terra:   M = 5,9742 . 1024 kg
Raio médio da Terra:  R = 6371,004 km

A densidade mede o grau de concentração da matéria e é obtida pela divisão da massa de um objeto pelo seu volume. A massa da Terra nós já temos. Com o raio em metros podemos calcular seu volume em metros cúbicos usando a fórmula que dá o volume da esfera:

V = 4 . pi . R3 / 3
V = 4 . 3,141593 . 63710043 / 3
V = 1,083209 . 1021

Agora, dividindo a massa que conhecemos pelo volume encontrado, chegamos à densidade em quilogramas por metro cúbico:

D = M / V
D = 5,9742 . 1024 / ( 1,083209 . 1021 )
D = 5515,279

Conseguimos descobrir qual é a densidade do material que, se preenchesse a Terra por igual, faria nosso planeta ter a massa que ele realmente tem. Somente por curiosidade, consultei uma tabela de densidades dos elementos químicos e encontrei o valor de 5500 kg/m3 para o rádio, o mais próximo do valor obtido pelos cálculos. Assim, se todo o interior da Terra fosse de rádio, a massa e a gravidade da Terra continuariam normais. Mas o rádio é um elemento raro e perigoso. Não é ele que preenche nosso planeta.

Se a Terra fosse uma bola maciça de ferro, pesaríamos cerca de 43% a mais do que pesamos, porque a densidade desse elemento é 7870 kg/m3, que é 43% maior do que a densidade real da Terra. Portanto, nosso planeta não pode ser todo de ferro, já que, se assim fosse, ele teria um excesso de massa, de densidade e de gravidade.

A densidade média das rochas da superfície da Terra é 2660 kg/m3. Se todo o interior da Terra fosse feito de rocha, pesaríamos menos da metade do que pesamos, porque a massa de nosso planeta seria também menos da metade do que é. É necessário que haja algo mais denso do que as rochas comuns, lá dentro, mais profundamente, para manter a média em 5515 kg/m3.

Pensando bem, é de se esperar que a densidade das camadas mais profundas da Terra seja maior, porque as substâncias mais densas tendem a afundar e porque as camadas internas sofrem a pressão das externas, devido à gravidade, que trabalha sempre no sentido de aproximar tudo.

Um meio termo pode nos levar para mais perto da realidade. Se a Terra tiver um núcleo de ferro envolto por um manto de rocha é possível encontrar a massa correta. Para calcular isso podemos começar com uma esfera com o tamanho da Terra, feita somente de rocha, e imaginar uma esfera de ferro crescendo a partir de seu centro e substituindo a rocha. Desse modo teremos como ir aumentando a densidade média do conjunto até atingir o valor que desejamos.

Quando a esfera for toda de rocha, a densidade vai dar 2660 kg/m3, baixa demais. Quando ela for toda de ferro, a densidade vai dar 7870 kg/m3, alta demais. Certamente existe um valor para o raio do núcleo de ferro que dê ao conjunto uma densidade de 5515 kg/m3. Vamos partir em sua busca, trabalhando com o modelo de somente duas camadas.

Um caminho de resultado mais útil é procurar por uma equação que resolva o caso geral, porque é sempre melhor trabalhar com variáveis e somente substituí-las por valores numéricos de casos específicos quando for necessário. Então, vamos considerar um núcleo de massa m1, volume v1, densidade d1 e raio r1 envolto por um manto de massa m2, volume v2 e densidade d2. A massa, o raio, o volume e a densidade do planeta inteiro são, respectivamente, M, R, V e D.

A massa total é a soma da massa das partes:

M = m1 + m2

A massa é a densidade multiplicada pelo volume:

M = d1 . v1 + d2 . v2

O volume do manto é igual ao volume total menos o volume do núcleo:

M = d1 . v1 + d2 . ( V - v1 )
M = d1 . v1 + d2 . V - d2 . v1
M = ( d1 – d2 ) . v1 + d2 . V

Dividindo tudo por V, o primeiro membro fica igual a M/V, que é a densidade D do planeta:

D = ( d1 – d2 ) . v1 / V + d2

É mais interessante isolar a relação entre o volume do núcleo e o volume total:

v1 / V = ( D – d2 ) / ( d1 – d2 )

Como a relação entre os raios é a raiz cúbica da relação entre os volumes, temos:

r1 / R = ( v1 / V ) 1/3
r1 / R = [ ( D – d2 ) / ( d1 – d2 ) ] 1/3

Aí está:

r1 = R . [ ( D – d2 ) / ( d1 – d2 ) ] 1/3

Agora que já sabemos como calcular o raio do núcleo de um planeta em função de seu raio global, de sua densidade e da densidade de suas duas camadas, vamos aplicar a equação em três casos e analisar os resultados:


1) Primeiro vamos resolver o caso do núcleo de ferro com manto de rocha. Como D é a densidade da Terra, R é o seu raio e d1 e d2 são as densidades conhecidas do ferro e da rocha, basta fazer a substituição:

r1 = R . [ ( D – d2 ) / ( d1 – d2 ) ] 1/3
r1 = 6371004 . [ ( 5515,279 - 2660 ) / ( 7870 - 2660 ) ] 1/3
r1 = 6371004 . [ 2855,279 / 5210 ] 1/3
r1 = 6371004 . [ 0,5480382 ] 1/3
r1 = 6371004 . 0,8183460
r1 = 5213686


A conclusão é que o planeta deve ter um núcleo de ferro com 5213,7 km de raio, coberto com um manto de rocha até que seu raio global atinja os 6371 km. Mas o que esse resultado prova? O que ele nos informa sobre a verdadeira estrutura interna da Terra? Quase nada. Apenas nos diz que, se construíssemos um planeta com esses dois materiais, dentro das especificações de medida calculadas, teríamos um astro com o mesmo formato, o mesmo tamanho, a mesma massa, a mesma densidade e o mesmo efeito de gravidade que a Terra tem, com rochas em sua superfície. Portanto, nossos cálculos deixam claro que faz sentido imaginar que a Terra seja maciça, porque ela é possível.


2) Vamos ver agora um modelo para a Terra que considera um núcleo com 3490 km de raio, com densidade igual a 11000 kg/m3, e um manto que ocupa o volume restante, com densidade igual a 4437 kg/m3. Substituindo essas densidades em nossa equação, temos:

r1 = R . [ ( D – d2 ) / ( d1 – d2 ) ] 1/3
r1 = 6371004 . [ ( 5515,279 - 4437 ) / ( 11000 - 4437 ) ] 1/3
r1 = 6371004 . [ 1078,279 / 6563 ] 1/3
r1 = 6371004 . [ 0,1642967 ] 1/3
r1 = 6371004 . 0,5477002
r1 = 3489400


O raio do núcleo deu 3489,4 km, bem perto dos 3490 km citados. Isso nos mostra que este modelo também é coerente, porque produz um planeta com as mesmas características da Terra. Embora não possamos ter certeza de que a Terra seja exatamente assim, ficamos sabendo que ela pode ser assim.


3) Agora, vejamos o que ocorre quando o núcleo é de ar e o manto é de rocha, representando o caso da Terra oca. A densidade do ar é 1,2 kg/m3. A da rocha é 2660 kg/m3.

r1 = R . [ ( D – d2 ) / ( d1 – d2 ) ] 1/3
r1 = 6371004 . [ ( 5515,279 - 2660 ) / ( 1,2 - 2660 ) ] 1/3
r1 = 6371004 . [ 2855,279 / ( - 2658,8 ) ] 1/3
r1 = 6371004 . [ - 1,073898 ] 1/3
r1 = 6371004 . [ - 1,024050 ]
r1 = - 6524224


Pelo que vemos, chegamos a uma resposta muito interessante, porque, para construirmos esse planeta com núcleo de ar e manto de rocha, o raio do núcleo deveria medir 6524,2 km abaixo de zero. Então, parece que a Matemática está tentando dar um recado àqueles colegas que acreditam numa conspiração global para enganar toda a população mundial sobre a forma da Terra (geoconspiranoicos?). Vejamos o que está ocorrendo e o que a Matemática tem a dizer sobre nossa tentativa de fazer pedra flutuar no ar.

Na dedução da equação que estamos usando aqui, consideramos que no início não havia um núcleo. Havia somente um manto cuja densidade estava abaixo da que desejávamos atingir. Então, um núcleo mais denso que o manto começava com volume zero, ia crescendo e substituindo o interior do planeta, fazendo aumentar a densidade global. Porém, nós agora estamos teimando em construir um núcleo de ar, que é muito menos denso que a rocha do manto. Daí, quanto maior for o raio do núcleo de ar, menor vai ser a densidade do planeta e pior vai ficar nossa situação. Em outras palavras, esse resultado nos confirma o que era evidente desde o início: se a esfera feita somente de rocha já tinha uma densidade baixa, ela ficará com uma densidade ainda menor se parte da rocha for substituída por um volume igual de ar.

Agora, veja como eu costumo interpretar a mensagem da Matemática, para poder formar uma imagem mental melhor do problema. Ao tentar fazer a densidade do planeta crescer, colocando ar no lugar da rocha, nossa musa (a Matemática) percebe que a situação vai piorando cada vez mais quando o raio do núcleo aumenta. Então, ela tenta diminuir esse raio, para que as coisas melhorem. No início, até que dá certo, mas, mesmo quando o raio é zero e o núcleo desaparece, a densidade ainda não atinge o valor desejado, porque voltamos ao ponto de partida. Ela conclui que o jeito é diminuir o raio do núcleo ainda mais, para procurar um valor numérico que satisfaça a equação. Ele é encontrado, mas é desprovido de significado em nosso mundo físico com objetos cujas medidas são representadas por números positivos.

É desse modo que a gente descobre que um problema não tem solução. Neste caso, a conclusão simples é que a Terra não pode ser assim, porque é impossível construir um planeta com o tamanho dela, que se comporte como ela e que tenha um núcleo de ar cercado por um manto de rocha. Se alguém discordar, que aponte o erro nos cálculos e prove o contrário, porque somente afirmar que a Terra é oca não a torna oca.



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