Criando um universo 3D


Figura 13.1

Ao ouvir alguém falar sobre um universo 3D "esférico" em expansão, é comum que as pessoas se imaginem dentro de uma grande esfera de espaço tridimensional, cheia de galáxias, e que ela defina um limite, além do qual está o espaço ainda vazio de matéria, para onde as galáxias se dirigem, impulsionadas pela explosão inicial. Nesta idéia errada e muito difundida, haveria um centro de onde a matéria se irradia em todas as direções, que poderia ser visitado por naves espaciais num futuro distante.

O análogo 2D desta imagem 3D incorreta corresponde ao modelo da figura 13.1, que mostra um espaço 2D plano com uma região circular cheia de galáxias que se afastam de um centro explosivo e criam uma fronteira, com a forma de uma circunferência, a partir da qual o espaço ainda está vazio. Mas já sabemos que um espaço 2D esférico em expansão nada tem a ver com isso, porque corresponde ao modelo da figura 13.2, no qual uma superfície esférica de raio crescente contém galáxias 2D espalhadas por toda a sua área e está situada entre duas regiões vazias (interior e exterior) do espaço 3D a que ela pertence (a esfera é oca).

Para podermos formar uma imagem mental da expansão de um universo 3D "esférico", devemos estudar a expansão do universo 2D esférico da figura 13.2, representado por aquela bolha que cresce, para depois subir um degrau na escada das dimensões. Uma análise cuidadosa do modelo 2D nos permitirá deduzir as propriedades do modelo 3D, mesmo que não possamos enxergá-lo de fato. Por isso, leia lentamente, com muita atenção, cada uma das conclusões numeradas abaixo:

  1. Se o universo 2D da figura é uma superfície esférica que corresponde à casca ou limite externo de uma esfera (3D), concluímos que um universo 3D "esférico" é também uma casca ou limite externo, mas de uma hiperesfera (esfera 4D).

  2. Se o universo 2D é uma superfície curva, que tem área, então o universo 3D análogo é uma hipersuperfície curva (espaço 3D curvo), que tem volume.

    Figura 13.2
  3. Se o interior e o exterior da esfera da figura são regiões vazias de um espaço 3D, o interior e o exterior da hiperesfera são regiões vazias de um espaço 4D.

  4. A expansão corresponde ao aumento do raio com o tempo, nos dois universos. Se o aumento do raio da esfera da figura faz crescer a área do universo-casca 2D, então o aumento do raio da hiperesfera faz crescer o volume do universo-casca 3D.

  5. Em qualquer um desses dois universos (2D e 3D), se o raio for muito maior que o tamanho da região observada, as propriedades geométricas dessa região se aproximarão das euclidianas. Assim, uma pequena região da superfície esférica da figura parecerá ser um plano, enquanto uma pequena região do espaço 3D que estamos tentando visualizar parecerá ser um "espaço plano", expressão enganadora que significa espaço 3D euclidiano (análogo 3D de um plano).

Imagine que o Universo (o nosso) seja um espaço 3D "esférico" como o que foi descrito nas conclusões acima. Se assim for, devemos apagar da mente a imagem forte de que estamos dentro de um volume esférico cheio de galáxias em movimento radial, fugindo do centro da esfera, onde ocorreu o Big Bang, e caminhando em direção ao espaço 3D ainda vazio do exterior da esfera. Esta não é a imagem correta de um espaço 3D em expansão. Portanto, esqueça-a definitivamente.

Dizer que o Universo é "esférico" é dizer que ele é o análogo 3D de uma superfície esférica (a casca 3D de uma hiperesfera), cuja visualização geométrica está além das nossas possibilidades, já que não podemos desenhá-la nem dela ter um modelo físico concreto. Apenas sabemos que, do mesmo modo como uma superfície esférica é curva e fechada sobre si mesma, o Universo seria também curvo e fechado sobre si mesmo, sem limites que nos impedissem de prosseguir viajando em qualquer direção que quiséssemos. A diferença está no número de dimensões, que para aquela superfície é dois e para o Universo é três.

Do mesmo modo como um ser 2D que habita a superfície esférica não pode ver a esfera nem sua curvatura, não conseguimos também ver a hiperesfera nem a sua curvatura. Figura 13.3 Mas essas curvaturas causam efeitos físicos mensuráveis, nos dois casos. Uma das propriedades desses espaços, por exemplo, é a impossibilidade da existência de retas paralelas. Outra, interessante, é o retorno ao ponto de partida após uma grande viagem em linha "reta" (geodésica). Outra, como já sabemos, é que a soma dos ângulos internos de um triângulo dá mais de 180 graus. E quanto maior o triângulo, maior essa soma. Para os triângulos pequenos, a região se torna aproximadamente euclidiana e a soma fica por volta dos 180 graus.

Visto tudo isso, pense agora no Big Bang que dá origem a um universo 3D "esférico", fazendo uma analogia com o capítulo anterior, subindo um degrau na escada das dimensões:

Um espaço 3D é uma parte de um espaço 4D (pelo menos). Imagine, então, um universo 4D infinito, no qual exista um ponto, de grande densidade e grande temperatura, que vai gerar um universo 3D "esférico". Pense bem nisso, pois, se o universo que vai nascer é 3D, o espaço 4D vazio ao redor daquela singularidade não pode ser visto como espaço comum, já que os futuros seres 3D não terão acesso direto a ele. Por isso, é melhor que ele seja encarado apenas como "o grande nada para onde o universo 3D bebê vai poder crescer". Para um futuro ser 3D inteligente desse universo, a época de existência da singularidade poderá ser apontada como a época em que não havia espaço, já que o seu espaço 3D ainda não estava presente ali.

Algo ocorre e a singularidade se expande para assumir a forma de uma casca 3D curva muito pequena, retendo nela toda a energia existente anteriormente naquele ponto denso. Um universo 3D acaba de nascer, como uma hiperbolha de sabão que ainda vai crescer muito. Nada há dentro nem fora da hiperbolha, pois essas regiões estão numa dimensão mais elevada, desenvolvendo-se ao longo do quarto eixo. Somente a casca 3D existe e representa um universo 3D muito jovem.

Com a expansão, diminuem a densidade e a temperatura, como ocorre com um gás. O universo 3D, que tinha volume nulo na singularidade, agora já apresenta uns poucos metros cúbicos. Parece razoável dizer que esse Big Bang 3D ocorreu em todos os pontos dessa casca 3D que cresce, porque ela foi gerada pelo ponto inicial que inflou e se desenvolveu em três dimensões. Figura 13.4 Assim, todos os pontos da casca 3D estavam coincidentes, infinitamente concentrados no local onde a expansão teve início. Pode-se mesmo dizer que a singularidade inicial era um espaço 3D "esférico" de raio nulo ou, pelo menos, extremamente pequeno.

Imagine agora que muito tempo se passou e a casca 3D cresceu tanto que a energia se materializou em partículas, que criaram átomos, que constituíram moléculas para formar galáxias, estrelas, planetas e seres vivos inteligentes, que decidem agora observar o seu espaço 3D através de instrumentos. Presos na casca 3D de uma hiperbolha em expansão, esses seres não podem perceber a forma geral de seu universo. Eles pensam que observam o todo, mas há mais espaço inacessível naquela quarta dimensão que abriga a hiperbolha e que permite seu crescimento. Este é o Universo (o nosso), suposto "esférico", com um raio tão grande que qualquer região onde fizéssemos pesquisas poderia dar a impressão de ser euclidiana, não curva, como seu análogo 2D mostra nas figuras 13.3 e 13.4, que foram obtidas pela observação mais próxima (apenas ampliada) da figura 13.2, não como um efeito da expansão cósmica, que seria diferente.

Percebemos que as galáxias distantes mostram-se nitidamente em fuga, afastando-se daquela em que vivemos. Nota-se isso pela análise da luz que chega desses objetos brilhantes, cujo espectro sofre um deslocamento para o vermelho. Podemos pensar que estamos no centro do Universo, mas um fenômeno de fuga idêntico seria observado pelos seres das outras galáxias, porque, estando todas elas numa mesma casca 3D cujo volume aumenta, cada galáxia de fato se afasta das demais. Assim, concluímos que não há pontos diferenciados no Universo, nem mesmo um centro de onde as galáxias são lançadas em todas as direções. Tudo é muito semelhante, em toda parte.

Uma das razões que nos faz acreditar que as galáxias estão espalhadas por todos os lugares é que a energia banha todos os pontos do nosso espaço 3D em expansão. E é a energia que cria a matéria. Percebemos que o centro do Universo é um ponto remoto, num sentido diferente do comum, porque não se encontra na casca 3D em que vivemos, mas no centro da hiperesfera que cresce, na quarta dimensão que não podemos ver. Por isso, seria inútil viajarmos pelo Universo para procurar o lugar central de onde as galáxias fogem.

Figura 13.5

Talvez fosse possível que a luz de nossa galáxia, irradiada em todas as direções, circundasse o nosso universo 3D curvo e acabasse retornando a nós, trazendo informações sobre o seu passado. Um possante telescópio poderia, assim, mostrar a Via Láctea, tal como ela foi há um tempo imenso. Mas seria difícil reconhecê-la em meio a dezenas de bilhões de outras.

As teorias cosmológicas dizem que há algumas formas possíveis para o Universo. Mesmo não conseguindo enxergar essas formas geométricas 3D que servem de modelos representativos a essas soluções, podemos tratá-las matematicamente e descobrir coisas interessantes. Uma das idéias é que, dependendo da concentração de matéria e energia no Universo, ele pode ser "plano" (o análogo 3D de um plano), "esférico" (o análogo 3D de uma superfície esférica) ou "hiperbólico" (o análogo 3D de um parabolóide hiperbólico, superfície com o formato de uma sela). Medidas de densidade poderão decidir se o Universo é finito ou infinito, se é "plano" ou se tem curvatura positiva ("esférico") ou negativa ("hiperbólico").

Havendo mais espaço (4D) fora do Universo, surge a possibilidade da existência de vários universos 3D independentes. De fato, se vários universos 3D estivessem colocados lado a lado, espalhados pela quarta dimensão, sem se tocarem, poderiam existir realidades separadas, cada uma sem a interferência da outra. Universos inteiros poderiam ser ignorados, pela impossibilidade (?) de se viajar através do espaço 4D que contém todos eles. Os seres 3D ficariam presos nos seus universos de origem, cada um pensando que o universo em que vive é o único que existe.

Um pensamento que nos ocorre é que um incidente gravitacional talvez pudesse provocar uma singularidade em um ponto do Universo (nossa casca 3D), dando origem a um outro Big Bang 3D, que faria nascer um novo espaço 3D em expansão. Este poderia se destacar de sua origem e formar um novo universo 3D, que cresceria de forma independente, logo ao lado do nosso. A multiplicação de eventos como esse poderia encher aquele universo 4D básico com uma infinidade de universos 3D autônomos, cada um deles tendo a sua própria expansão.

Figura 13.6

Muitas outras idéias podem surgir, mas devemos nos considerar satisfeitos por termos conseguido compreender alguns pontos essenciais, como a existência das múltiplas dimensões e de lugares fora do Universo. Sabemos que o espaço 3D em que vivemos está crescendo e que, se ele tiver a forma de uma casca 3D de uma hiperesfera, o centro da expansão não pode ser visitado, porque não está nela. Entendemos que o Universo pode ser finito mas ilimitado. Percebemos que os aglomerados de galáxias se afastam uns dos outros porque mais espaço está sendo criado entre eles a cada instante, já que o Big Bang é um processo de criação de espaço. Tudo isso nos liberta de velhos conceitos e nos faz aceitar a limitação dimensional que o Universo nos impõe fisicamente, porque nossas mentes agora estão livres para sair dele.

Olhe bem para as fotografias do Universo nesta página, que mostram o céu profundo. São dezenas de bilhões de galáxias até onde podemos enxergar com os maiores telescópios do mundo. Se vivêssemos em qualquer outra delas, não na Via Láctea, teríamos a mesma visão deslumbrante por todos os lados, porque não existem limites no espaço nem galáxias situadas em uma periferia, com uma escuridão vazia à frente. Não existe também no Universo um ponto central de onde elas fogem nem um lugar para onde elas vão. Os grandes grupos de galáxias simplesmente se espalham, fugindo uns dos outros em todas as direções e fazendo com que cada um pareça estar estacionário no centro de fuga. Pela análise simples do que se observa, a expansão do Universo é incompreensível. Somente quando conseguimos desenvolver a nossa percepção para ultrapassar a barreira das três dimensões é que a expansão cósmica se revela de uma forma lógica, em toda a sua beleza geométrica.



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